Atendem o telefone. Do outro lado da ligação, ao fundo, ouve-se uma trilha de rhythm and blues. A voz de Lulu Santos surge, então, na linha. Ele explica o que está ouvindo naquele momento. “É uma coletânea que acabei de receber pelo correio. Atlantic Rhythm & Blues, de 1947 a 1974, em nove volumes. Estou voltando a comprar discos”, conta Lulu Santos, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, do Rio.
Para ele, as novas formas de se consumir música podem ser limitadoras – quando a necessidade de atualizações operacionais periódicas obriga o usuário a deletar arquivos para liberar espaço de memória, quando se tem tudo arquivado na ‘nuvem’ e não se tem acesso a ela caso não haja Wi-Fi, entre outros problemas da modernidade. “Quando você vê, não tem seus discos à disposição na hora que precisa”, diz o músico e também jurado do programa The Voice Brasil, na Globo. “Estou de saco cheio disso, quero meus discos.”
Guitarrista desde os 11 anos, Lulu cresceu consumindo LPs. E é a estrutura de unidade dos bolachões que ele imprime em seus álbuns, caso do novo disco, Luiz Maurício. Mas o trabalho tem uma “pegadinha”, como ele mesmo diz: o repertório começa com a faixa solta Luiz Maurício, remixada pelo seu parceiro de longa data na música, DJ Memê – a faixa original aparece mais adiante no repertório.
“Quando revelo o que esta por trás daquilo que foi oferecido primeiro, em mais detalhe e profundidade, aí mesmo que vira um álbum. Ele se explica no decorrer de si próprio. Essa ‘pegadinha’ é porque, ao mesmo tempo, sou um artista contemporâneo, ouço música eletrônica, de pista.”
Mas Lulu não chegou ao resultado de seu Luiz Maurício tão rápido quanto ele imaginava. Foram quatro anos no total. Chegou a arquivar a primeira versão do disco, que ficou pronta em 2012 e, depois de uma segunda tentativa de reorganizar as músicas e não conseguir, em junho do ano passado, gravou o que precisava. “Quando eu estava com tudo pronto, e fiquei sozinho no estúdio, com meu engenheiro e o disco, aquilo ainda não estava me satisfazendo inteiramente.
Eu conhecia tudo e nada me surpreendia, foi aí que comecei a convocar meu ouvido externo.” Leia-se DJ Memê. “Mandei (a canção) Luiz Maurício para ele e perguntei: ‘você pode melhorar isso?’. E ele: ‘acho que sim’. Ele decupou a música: a minha versão tem início com uma introdução de guitarra elétrica, aí vem a música, aí o cantor começa a cantar; é quando ela passa a ficar interessante, essa é a visão do DJ. O DJ manipula gente, ele fica olhando a pista e vê o que funciona.” Com essa faixa, chegava ao cerne do trabalho que, para ele, ali passou a fazer sentido.
Luiz Maurício, o remix, dá o clima do que vem nas 11 faixas seguintes de Luiz Maurício, o disco. Tendo o pop como sua base, seu aliado, Lulu Santos estabelece todos os diálogos musicais que sua ampla barca de referências lhe permite. Gosta e acompanha a cena da música eletrônica, e continua trazê-la para sua obra. Além de Memê, neste disco, ele se uniu aos DJs Sany Pitbull e Batutinha, que assinam o remix de Sócio do Amor. “É um caso específico da minha crescente aproximação com o universo de música eletrônica genuinamente urbana e brasileira, carioca, que é o funk. É tão legítimo quanto qualquer outra forma mundial de música eletrônica contemporânea”, conceitua. No álbum, Sócio do Amor também é encontrada em versão original, e com a qual Lulu diz ter reencontrado um pouco do seu “amalgama pop”.
Ele resgatou a parceria com Jorge Ailton e Alexandre Vaz, originalmente chamada (e gravada por Ailton em seu disco) como Chega de Longe, que, em Luiz Maurício, Lulu rebatizou como Michê (Chega de Longe Bis), com vocação para pista e com intervenção do funqueiro Mr. Catra – até última atualização, pai de 28 filhos.
“‘Reloadei’ a música por meio do Memê, já com outras intenções. Fala de outro jeito. A história de michê apareceu, tinha um break grande, estava meio vazio. Pensamos, então, em chamar o Catra para explorar o assunto.”
Com Dadi, ex-Novos Baianos e ex-A Cor do Som, fez SDV (Segue de Volta?) ‘contaminado’ pela linguagem recorrente nas redes sociais. Para expor seu lado músico, Lulu incluiu dois temas instrumentais, Blueseado e Drones (esta última funcionaria como uma sutil virada de lado A para lado B imaginários). “Luiz Maurício é um guitarrista primeiro. No momento em que realmente encontrei o instrumento, foi quando comecei a forjar uma identidade pessoal da qual sairia a pessoa que sou. Quando escolhi um instrumento, não escolhi ser um músico virtuoso, mas um artista daquilo, aquilo me revela.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.