“Como assim, o rapaz é negro, desce do morro do Estácio e não é sambista?”. Um jornalista do qual Luiz Melodia não citava o nome o recebeu assim em 1973, quando ouviu o que ele poderia fazer ao lançar o álbum “Pérola Negra”, sua estreia, pela Philips. Eram anos de liberdade criativa mesmo nas gravadoras, de produção livre e “orgânica”, de colocar para fora tudo o que bossistas, jovem guardistas e tropicalistas haviam deixado de legado na década anterior.
Melodia surge como o filho mais bem acabado do espírito tropicalista do “tudo é possível”. Não por acaso, se aproximou de mentes livres como Waly Salomão, Torquato Neto e Helio Oiticica. Gravou rock, samba, samba rock e todo o universo que existe entre os dois.
O preconceito despejado na infeliz frase do jornalista carioca era sinal do embaralhamento que aquela imagem cheia de atitude poderia causar. Não havia como classificar Melodia. E “Pérola Negra”, um dos grandes álbuns da música brasileira percebido assim logo de cara, não deixava dúvidas de que Melodia era um nome incontornável. Era preciso falar sobre ele.
O músico explicava aos jornalistas que se debruçavam para saber de onde vinham tantas informações na música de um homem que parecia predestinado ao samba. “Eu ouvia tudo isso no rádio e talvez tenha sido isso o motivo dos discos que até hoje gravo, sempre com variedade, desde o rock, o pop. Eu sempre tive essa malícia pra poder passar para os discos que eu componho.”
Jazz e blues, idiomas que aprendeu, já eram presentes em criações iniciais como a própria “Pérola Negra” e em “Magrelinha” (basta ouvir as frases de guitarra blues de Perinho Albuquerque). “Uma vez vi minha mulher conversando com meu filho: ‘Você já ouviu seu pai cantando blues? É genial.'” Ele mesmo se surpreendeu até identificar o quanto blues eram suas abordagens. Mas o mesmo disco tinha também “Forró de Janeiro”, com acordeão de Dominguinhos. O tropicalismo, definitivamente, havia subido o morro.
De fala curta e objetiva, olhar cortante para entender a pergunta antes de respondê-la, Melodia gostava de exercer o controle da situação e o distanciamento profissional diante de jornalistas. “Não faço ideia do que você está falando”, respondeu a um deles quando perguntado se a imagem de ‘maldito’ por parte da mídia não o havia prejudicado.
Respondia que sempre fez os discos que gostaria de ter feito, sem jamais deixar sair de si o “Estácio” que o havia ensinado tanto. Falava por si e olhava para os lados, sem medo de esfriar a festa quando preciso. Em 2014, em pleno palco Julio Prestes, na Virada Cultural, foi o único a lembrar que estavam todos ali em um território marcado pela calamidade humana. “Vamos olhar por esse pessoal que está nessa dependência dessa droga filha da p.. Qualquer ajuda é importante.” Disse isso e cantou Magrelinha aos agoniados do crack.