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Luis Ferron estreia com Luis Arrieta o espetáculo ‘Os Corvos’ em SP

Em 2006, o bailarino e coreógrafo Luis Ferron iniciou um caminho sem retorno. Ao visitar os pais idosos, percebeu que eles estavam chegando perto do fim da vida. Após pouco mais de uma década, envelhecimento, doença e morte se transformam em poesia com o espetáculo Os Corvos, que estreia na quinta-feira, 30, às 21h, no Sesc Pompeia, onde segue em curta temporada até 9 de abril.

Ferron divide o palco com outro Luis e também veterano da dança, Arrieta. Ferron conta que Arrieta foi sua primeira opção quando imaginou a obra. “O trabalho tem uma relação muito forte com memórias. Gosto de trabalhar com pessoas que tenham verdade no assunto. Não poderia pegar um jovem para fazer isso. O Arrieta veio de cara, por toda a admiração que tenho por ele, desde os anos 1980. Sempre foi uma referência para mim como coreógrafo e artista.”

Arrieta e Ferron são mais do que corvos no palco. Ora são idosos, ora cuidadores. Tudo envolto por muita beleza e delicadeza. “Os corvos têm essa fama de pássaros da passagem, da morte, do trânsito entre dois mundos. Era mais ou menos assim que eu via meus pais. Mesmo eles estando presentes, parecia que já pressentiam um outro espaço, um outro mundo que não apalpavam ainda. Mas era nítido na reação deles, em como lidavam com a vida”, diz Ferron. A mãe do coreógrafo morreu em 2012 e o pai, em 2013.

Exorcismo

Mas Os Corvos não é um trabalho sobre dor. Ferron tinha sentido isso durante todo o processo em que cuidou dos pais. Conta que estava disposto a olhar para a morte de uma maneira diferente, mais natural. A dança de Ferron e Arrieta, acreditam os artistas, serviu para exorcizar o sofrimento.

Foram cerca de seis meses de conversas profundas e trabalho no estúdio para conceber Os Corvos. Depois dessa experiência, Ferron afirma que já não chora mais por perdas. Consegue olhar para a morte como um acontecimento inevitável. “É a certeza de que isso existe. É a última lição que tive dos meus pais.”

Segundo Arrieta, a morte é um desses temas intocáveis que, assim como o sexo, são difíceis de abordar com alguns grupos. Apesar disso, acredita que ela esteja em todas as obras, direta ou indiretamente. “Se falo de amor, estou falando de algo que está vivo e, consequentemente, vai deixar de viver”, afirma. “Eckhart Tolle (escritor alemão) pergunta: ‘Qual é o contrário da morte?’. E a pessoa sempre responde que é a vida. Mas é um grande erro. O contrário da morte é o nascimento. A vida é infinita e eterna. Quando passamos a compreender profundamente isso, não temos mais a sensação de fim”, diz Arrieta.

O modo como Arrieta olha para a vida e leva seus dias é o mesmo como encara a morte. Diz que gosta de se sentir como um bambu oco e cheio de buracos, pelo qual o vento passa, produzindo música. “Acho maravilhosa a capacidade de me esvaziar. Quanto mais me esvazio, mais posso permitir. Talvez esse seja o lado da dança que mais me cativou sempre”, diz. “Muitos filósofos falam que, na hora da passagem, esquecemos para aprendermos tudo de novo”, afirma Arrieta.

Com um piano e um violoncelo ao vivo, Arrieta e Ferron dançam ao som do quarto movimento da Sinfonia n.º 6, conhecida como Patética, a última obra que Tchaikovski estreou, em outubro de 1893, menos de um mês antes de morrer. “Patética vem da palavra pathos. Usamos mal a palavra. Usamos patético como algo engraçado, meio vergonhoso. Patético é algo que não teria outro destino a não ser esse”, diz Arrieta. Na trilha, há ainda o adágio do Concerto en Sol, de Maurice Ravel, e a Serenata, de Schubert.

Como artistas – dois dos nomes mais importantes da dança contemporânea no País -, Ferron e Arrieta talvez tenham uma percepção mais clara de como o corpo envelhece. A experiência, no entanto, não os assombra. Na verdade, os inspira. “Se luto contra, me dói. Se aceito, viro criança de novo. Renasço”, afirma Arrieta. “Para mim, é muito divertido. É maravilhoso. É tanto conhecimento que menos é mais e não tem tempo para hoje, é para ontem”, diz Ferron.

OS CORVOS

Sesc Pompeia. Teatro. Rua Clélia, 93, tel. 3871-7700. De 5ª a sáb., às 21h; dom., às 19h. Ingressos: R$ 6 a R$ 20. Até 9/4.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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