Aproxima-se o 90.º aniversário de minha mãe Lúcia. Quando meu pai completou 91 anos de idade, escrevi, em sua homenagem, um artigo, que foi publicado no jornal Gazeta do Povo, que alcançou grande repercussão, pois ele era conhecido e estimado por muitas pessoas. Naquele escrito, expressei todo meu amor e admiração por sua pessoa. Ele nos deixou, indo para o excelso mundo espiritual em 5 de novembro de 2006.
Daqui a poucos dias, em 28 de outubro, vamos comemorar, com muita alegria, o 90.º aniversário natalício de Lúcia, sua esposa e companheira de jornada por quase 67 anos, pois em 25-12-2006, completariam esta bela marca, o que, infelizmente, não foi possível, em face o agravamento da enfermidade, que o acometia.
Mas 67 anos de casamento feliz, coroado de muito amor e extrema dedicação mútuos, nos atuais dias, não é coisa fácil de achar.
Agenor e Lúcia amaram-se.
Chegava a ser comovente ver, nesses últimos dias, que antecederam ao passamento do meu pai, as manifestações de carinho e de atenção mútuas, que se dispensavam.
Papai não se cansava de elogiá-la e dizer a todos o quanto a admirava e amava.
E ele tinha razão, porque Lúcia, a mãe querida de José Wanderlei, Lahyre (falecido prematuramente), Bráulio, Maria Edite, Severino, Maria José e Terezinha, é uma pessoa muito especial, dotada de qualidades e atributos, que não se encontram facilmente, neste mundo. É, em suma, uma pessoa boa.
Sempre foi muito prestativa, carinhosa com os filhos, os quais criou com o maior desvelo.
O amor que meu pai devotava a Lúcia era tão grande e intenso, que nunca se desvaneceu durante esses longos anos.
Em 1999, fiz publicar na Antologia, da Editora Scortecci, um belo artigo de lavra de meu pai, sob o título ?Relembrando?, que se referia às lembranças de sua juventude em Miraí-MG terra natal de ambos.
Como preâmbulo mandei inserir um acróstico que o jovem Agenor compôs para sua graciosa Lúcia.
Assim foi até o último dia de sua existência, com as enfáticas manifestações de amor que lhe fazia.
Quando escrevi o artigo ?A arrumadeira de noivas?, assim me expressei sobre ela: ?Meu pai tinha uma loja em Cambará, onde desenvolvia um pequeno negócio de venda de tecidos e confecções, a par de suas atividades como contabilista.
Eram tempos difíceis para a família, que dependia somente do trabalho dele, para sobreviver. Mas ele sempre foi bom provedor e, com seu trabalho e muita economia, conseguia sustentar a família que contava com seis filhos, ainda em fase de estudos.
Isso ocorreu nas décadas de 50 e 60, aproximadamente.
Vivíamos ainda aquela fase da agricultura brasileira, em que não existia o Estatuto do Trabalhador Rural. Esta lei veio em 1964, no governo do Marechal Castelo Branco.
Aparentemente, foi um bem para o trabalhador rural, mas ainda tenho minhas dúvidas, quanto a alguns aspectos dessa conquista, principalmente, porque o trabalhador rural foi sendo afastado pelos fazendeiros, donos das fazendas onde eles residiam, gratuitamente, nas colônias. Isto os obrigou a migrar para as cidades, principalmente, para os grandes centros urbanos e capitais, onde, sem qualquer qualificação como mão-de- obra, foram, em sua grande maioria morar em favelas.
Hoje, infelizmente, temos o inchaço das cidades, com suas periferias de pobreza e miséria, causando aumento da criminalidade, que não tem mais solução.
Mas, naquela época, tudo era diferente. Os empregados rurais não tinham direitos trabalhistas, que eram restritos ao trabalhador urbano, em compensação, tinham outras regalias, como, por exemplo, o direito de morar na fazenda, remuneração pelo trabalho, que era registrado em suas cadernetas individuais, além de terem participação no produto das culturas intercalares, em meio às plantações de café. Criavam seus animais domésticos no quintal de suas casas. Plantavam hortas, além de outras atividades. Na verdade, parece-me que tinham mais abundância do que no regime atual dos chamados ?bóias-frias?, munidos de todos os direitos trabalhistas. Assim penso, por experiência própria, baseado no que vi acontecer em minha pequena cidade de Cambará, que sempre teve a base de sua economia nas atividades agrícolas e pecuárias.
Lembro-me de que, ainda menino, ajudava meu pai na loja de tecidos, atendendo os fregueses. E que, aos sábados, o movimento era bem maior, porque era o dia em que os trabalhadores rurais vinham para a cidade fazer as suas compras, pois recebiam por semana. Em sua grande maioria, vinham com suas carroças, com suas charretes, ou mesmo a cavalo, acompanhados de suas famílias. Faziam as compras de suprimentos para a outra semana, iam ao médico, ao dentista, compravam medicamentos nas farmácias, etc. Eram eles, na verdade, que alimentavam o comércio local, criando a riqueza e o progresso das cidades interioranas. Não eram os fazendeiros, seus patrões, pois estes, em sua maioria, moravam em outros locais, como por exemplo, na capital paulista.
Assim como as outras casas comerciais, a loja do meu pai, denominada Casa Mineira, vivia, principalmente, deste segmento do comércio e, aos sábados, ficava, sobremaneira, lotada de fregueses rurais.
Meu pai tinha um jeito especial de lidar com aquele povo simples, pois, além de ser oriundo do meio rural, por muitos anos trabalhara como contador de fazenda da região e, por isso, ficou muito conhecido.
Assim, nossa casa vivia lotada de gente aos sábados, especialmente por ser uma casa mista, metade comercial e a outra metade residencial. Em decorrência, muitas vezes, fregueses que estavam comprando, acabavam sendo convidados para almoçar e nós nos sentávamos para fazer as refeições junto com eles. Muitos se tornaram amigos da família, por muitos anos.
Minha mãe aprendeu a costurar sozinha, ainda quando solteira. E isso foi de grande valia para a família, porque, como papai também trabalhava com artigos para noivas e noivos, minha mãe se comprometia a confeccionar os vestidos de noivas, recebê-las para experimentá-los, bem como arrumá-las no dia do casamento. Não consigo me lembrar de quantas noivas por lá passaram e receberam o carinho, talvez as bênçãos de alguém que, com mãos abnegadas, deixava todas belas, para o grande dia. Não existia noiva feia!. Todas saíam de lá com ar de artistas de cinema, mesmo que a escolha recaísse em tecidos mais simples.
Minha mãe também confeccionava roupas de anjo, cujas asas, de pena de pato, eram feitas pela minha avó Elvina, que também era florista. Os anjos eram as crianças que participavam, segundo a tradição católica, das procissões.
Desta forma, minha mãe colaborou de forma decisiva para o sucesso do meu pai, na manutenção da família e educação de todos os filhos, permitindo a todos nós uma vida de progresso e verdadeira felicidade.
À minha pequena e graciosa mãe, mãos de fada e coração de ouro, Lúcia Miranda de Resende, os maiores louvores e a eterna gratidão de seus filhos José Wanderlei, Bráulio, Maria Edite, Severino, Maria José e Terezinha.
LÚCIA
Linda como a flor da primavera
Única do galho em que desabrochou
Cheia de encantos aos meus olhos quisera,
Idolatrada flor, fresca e orvalhada,
Amar-te eternamente, ah! Quem me dera.
Para ela, todos os anjos de verdade dizem amém!
Lúcia sempre foi também muito carinhosa com seus pais José Miranda e Sebastiana Pereira Miranda, que são oriundos, igualmente, de Miraí-MG.
Filha e também mãe dedicada, costurava as roupas dos filhos.
Dona de casa primorosa, cozinhava e lavava as roupas dos familiares, num tempo em que havia poucos recursos. Somente as famílias de mais posses poderiam ter os eletrodomésticos com que hoje contam.
Embora frágil na aparência, era e é uma mulher saudável e forte.
O seu maior prazer era receber os filhos e netos em sua casa, onde se esmerava a fazer com que todos se sentissem muito bem.
Sempre se preocupou mais em servir do que ser servida. Em doar do que receber, sendo assim uma autêntica seguidora do ideal de São Francisco de Assis.
O seu dizer mais conhecido e, até hoje, é receber as pessoas dizendo:
?Mas que surpresa agradável!?
E daí para frente, vai cafezinho, vai almoço, vai jantar, e uma série de cuidados, em bem servir o recém-chegado.
LÚCIA MIRANDA DE RESENDE
L inda flor que desabrocha
Ú nica de um jardim
C om tantos cravos e gerânios
I gual em formosura assim
A inda não se viu nesses vergéis,
M ais que a vida passa
I ncessante é o seu amor,
R ara pedra preciosa
A se procurar com ardor,
N ada dela afasta a formosura
D a sua meiguice no tratar
A todos, com atenção e ternura.
R ecorda seu doce semblante
E nlevo que a todos encanta.
S eu coração grandioso
E ncerra os laivos de uma santa,
N ada retira do seu caminho
D ádivas divinas e bênçãos
E manando a todos o seu maior carinho.
É, realmente, uma criatura bondosa, especial, somente encontrando verdadeira semelhança, com sua saudosa mãe, Sebastiana, tendo dela herdado tão boas qualidades.
Neste seu 90.º aniversário, estaremos seus filhos, genros, noras e netos, parentes e amigos, reunidos, em torno dela, procurando demonstrar-lhe toda a nossa gratidão e o nosso imenso carinho, homenageando-a merecidamente. O que todos nós a ela devemos não tem preço que pague neste mundo, de tão grande que foi (e é) o bem que ela nos faz, irradiado do seu majestoso coração.
Como uma flor divina, perfumou e balsamizou nossas vidas.
Transcrevo abaixo dois poemas, dos muitos que no transcorrer da vida me inspiraram. Creio que, assim, traduzo os sentimentos de todos, que muito a admiram e amam, principalmente, o seu amado Agenor, lá do céu.
Mãe
Mãe, doce criatura,
cantada em verso e música!
Mãe, ser especial, que é terra
que abriga a semente
e a germina;
que é árvore
que protege do sol;
que é casa
que abriga da chuva;
que é fonte
que mata a sede;
que é celeiro
que mata a fome.
Mãe que é portal
da luz
que liberta para a vida;
que se faz guia
a apontar o caminho;
que é alicerce
a suportar a construção
da vida;
que é ponte
ligando outras vidas.
Mãe, que é
lágrima no calvário;
que é consolação na dor;
que é paz
na esperança da salvação;
e tudo o mais
que se diga, ó mãe,
ainda não é tudo.
Com todo amor.
Curitiba, 6 de outubro de 2007.
José Wanderlei Resende – Desembargador e membro da Academia Paranaense de Letras