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Luci Collin e sua poesia do caos e desassossego

Afirma Roland Barthes: “Quando eu leio, acomodo: não só o cristalino dos meus olhos, mas também o de meu intelecto, para captar o bom nível de significação (aquele que me convém)”. Barthes conclui que “é somente ao olhar o infinito que o olho normal não tem necessidade de acomodar-se”. Poderíamos comparar esse olho que contempla o infinito com o olho do poeta, que não se submete à acomodação. O olho do poeta seria como aquele descrito em A Palavra Algo (Iluminuras, 2016), o mais recente livro de poesia de Luci Collin, ou seja, o olho que “imagina entre migalha e galáxia” e que chega ao “deslumbramento daquele que inaugura adornos”.

De fato, o poeta não é um acomodado. Segundo D. H. Lawrence, o poeta precisa do caos, diferentemente do homem comum que “não pode viver no caos o homem precisa embrulhar a si mesmo numa visão, fazer uma casa com uma forma visível e com estabilidade, com fixidez”. Por isso, prossegue Lawrence, “o homem constrói um edifício assombroso a partir de si, erguido entre ele e o caos selvagem, tornando-se, gradualmente, empalidecido e asfixiado sob o tecido do guarda-sol. Então vem um poeta, o inimigo das convenções, e faz um rasgão no guarda-sol; e vejam! O lampejo de caos é agora uma visão”.

A poesia de Luci, como se lê em seu último livro, “é metal precioso é metal nobre agarrado aos detalhes e ao insubmisso”. Portanto, com sua palavra metal, ela vai rasgando os guarda-sóis que nos protegem do caos e com seus versos “comete danças estapafúrdias” e assim “inaugura a temporada do pasmo”.

Luci deseja o caos que, no seu livro, irrompe não só das imagens de seus versos, mas também da miscelânea de poemas díspares que o compõe: poemas que vão da metalinguagem a citações e à mera cópia de frases banais. Poesia, lembra Luci em um de seus versos, talvez seja, de todos os discursos, “o mais movediço o mais plástico”.

Nos poemas que versam sobre o fazer poético da autora, lê-se que “o discurso é para ser longo e nítido/ mas a tinta borra hesita/ ela mesma tem lapsos/e talvez falsifique as cenas em seu arredamento de pávida lembrança”; ou “as palavras que se alcançam/ são o esquecimento das figuras/ que descem degraus na pressa/ do inédito”.

O poema Grande Fome “anuncia” paródias anteriores e posteriores que se insinuam, mas não se concretizam – “essa maquiagem máscara e as paródias que insinua/ espantam as cirandas já escassas/ e a pressa rega uma semente/ sifilítica” -, dando um calço nas expectativas do leitor. Luci não parodia explicitamente, mas cita diversos poetas como Fernando Pessoa, Mallarmé, Casimiro de Abreu. Nessas citações, a poeta parece ter encontrado “a amenidade do velho e a agitação de um menino ao repetir gestos que duplicam o pouso”. E Luci duplica o voo desses poetas. Em A Palavra Algo, Autopsicografia, de Fernando Pessoa, se transforma em Deveras e assim inicia: “O poeta finge/ e enquanto isso/ cigarras estouram/ pontes caem/ azaleias claudicam”.

Luci se vale também de frases banais, provavelmente lidas em placas espalhadas pela cidade, e com elas constrói o poema Orçamento Sem Compromisso, no melhor exemplo de “escrita não criativa” contemporânea: “Compro ouro/ Cobrem-se botões/ Compro e vendo cabelo/ X-calabresa/ Porção e executivo/ Piso escorregadio”. A poeta não “se incomoda” em não ser criativa, parece saber que, como se lê no poema Imortalha, “todos os termos foram inventados”.

A Palavra Algo é um livro ágil, variado e humorado. Revela uma poeta em busca do caos, mas, ao mesmo tempo, temerosa do caos; por isso se mantém fiel a formas e técnicas, pois, como diz D. H. Lawrence, “o desejo do caos é a respiração de sua poesia. O medo do caos está no desfile de formas e técnicas”.

A PALAVRA ALGO

Autor: Luci Collin

Editora: Iluminuras (112 págs., R$ 35)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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