Sérgio Augusto escreveu um texto muito bonito no domingo – Carpe Ludos, sobre a Copa do Mundo, que está vencendo resistências. Estão ocorrendo tantas revoluções dentro de campo, tantos gols, tantos times pequenos (Davis) vencendo os gigantes, os Golias da competição, que ele deu a receita – a conta vai aparecer, mas, agora, o melhor a fazer é relaxar e desfrutar. O caráter lúdico do futebol. Da vida. Há um belíssimo filme em cartaz que trata justamente disso. Do direito e da necessidade de brincar. Tarja Branca – A Revolução Que Faltava começa de mansinho, falando de crianças.
Elas brincam diante da câmera de Cacau Rhoden e os adultos viajam no tempo, lembram as crianças que foram, as brincadeiras que faziam. Concluem que com brincadeira a vida fica melhor. E, de repente, a conversa não é mais sobre crianças. Brincar vira uma ação ancestral desenvolvida pelo homem, para se conhecer melhor e se relacionar com o mundo. Em busca dos brincantes, o filme chega aos depositários de uma cultura popular, os que resistem à massificação, à ditadura dos shoppings e dos eletrônicos. Alguns dos entrevistados até refletem – vão (quem?) dizer que os brincantes estão perdidos no tempo, que perderam o bonde da história. Não é verdade.
Está provado que os gigantes da comunicação contemporânea – Microsot, Google – investem em escritórios de madeira e hora de recreio para os funcionários, tudo que torne a vida mais prazerosa. É uma verdade tão simples – quem faz o que gosta vive melhor. Alguma dúvida? O problema é que a organização social não está montada para favorecer o bem-estar das pessoas. Daí a revolução que ainda falta, ou faltava – a da tarja branca. São tantos os medicamentos de tarja preta, para segurar as neuroses e para que as pessoas continuem produzindo. A tarja branca baseia-se na palavra, na brincadeira, no autoconhecimento.
O diretor Rhoden veio do curta. Fez Infinitamente Maio em parceria com Marcos Jorge, e a história de vingança, do homem que descobre a traição da mulher, tem mais a ver com o universo antropofágico, sombrio, do diretor de Estômago. Meninos de Areia aborda o universo infantil, por meio do relacionamento ambíguo de duas crianças. Em Tarja Branca, ele ouve gente como Lydia Hortélio, Antônio Nóbrega, Domingos Montagner, José Simão. Bráulio Tavares observa que a família, a escola, as instituições em geral, existem para cercear a liberdade natural dos indivíduos e colocá-los nos eixos. Se desde crianças não fôssemos disciplinados – com hora para tudo -, provavelmente estaríamos na selva. O problema é que essas horas programadas raramente preveem brincadeiras, porque não são coisas ‘sérias’.
Em 2000, há 14 anos, a cineasta gaúcha Liliane Sulzback fez outro belo documentário, o média-metragem A Invenção da Infância. Ela filmava crianças de famílias de baixa renda, ou sem renda, que não tinham direito à infância porque estavam lutando para sobreviver. Mas ela filmava crianças de famílias de muita renda e elas também não tinham infância porque os pais, preocupados com o futuro, roubavam dos filhos o direito ao ócio, enchendo seu tempo com todo tipo de atividade programada – curso disso e daquilo. Considerada uma das maiores especialistas em cultura da criança no País, Lydia Hortélio descobriu em casa, no sertão baiano, um vasto e riquíssimo arsenal de cantigas, brincadeiras e brinquedos. Seus CDs viraram obras de referência – Abra a Roda – Tin dô lê lê e Ô Bela Alice… Para Lydia, se o mundo tem solução, é através da infância. “A grande revolução acontecerá por aí”, ela crê. O filme também acredita. É maravilhoso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.