Longa retrata a experiência da maternidade na prisão

Em “Leite e Ferro” não há troca de tiros, perseguições, lutas, nem brigas, nenhum sangue. Mesmo assim é um filme violentíssimo. Afinal, é difícil imaginar violência maior que o contraste entre as grades de uma cadeia e uma mãe amamentando, ou uma mãe com o bebê nos braços contando como ouviu de um policial: “Você está grávida, amarrada a uma grade no chão frio? E eu com isso, quem mandou você abrir esse b….tão?” E o que dizer da violência de se separar (algumas para sempre) de seu bebê após passar meses convivendo 24 horas por dia com ele? “A separação é triste. Não consegui encontrar forma de filmar e incluir no filme. É um vulcão de sentimentos”, conta Cláudia Priscila, diretora de “Leite e Ferro”, melhor documentário e melhor direção de documentário no Festival de Paulínia 2010.

Resumidamente, o filme acompanha a rotina das presas que se tornam mães na prisão e estão alojadas no CAMHMP (Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa) para que amamentem seus filhos até os quatro meses, quando devem se separar dos bebês, então encaminhados às famílias, amigos ou instituições.

Como numa roda de amigas que poderia estar em um salão de beleza, essas mulheres conversam entre si (e também para a câmera) sobre temas absolutamente “normais”: amor, beleza, fidelidade, dores e delícias de se tornar mãe, parto… Não passaria de um papo de meninas (com tudo de bom e ruim) se o assunto amor + fidelidade + traição não ganhasse o adendo: o homem se mantém leal e visita a mulher na cadeia? Ou se a hora do parto não incluísse algemas e correntes. “Eu tinha de tomar banho com uma corrente amarrada nos pés. Era pesado e meus pontos da cesária abriram tudo”, relata uma das presas.

Por coincidência, “Leite e Ferro” estreia numa semana em que o uso de algemas em presas parturientes está no centro das discussões. “Inclusive a Defensoria Pública está preparando ações por danos morais contra o Estado. E o filme vai ser usado como instrumento nesse processo. Fico muito feliz do meu filme poder romper a barreira do cinema e ser de fato um documento”, conta Cláudia, que teve a ideia para filmar “Leite e Ferro” quando teve seu filho Pedro, hoje com 8 anos. “Uma mulher em trabalho de parto não vai fugir. Ela vai dar dez passos. Sem contar que ficam policiais na porta do hospital. Não precisam ser algemadas. É uma violação de um direito feminino muito séria, um desrespeito a esse momento. Que elas percam a liberdade e cumpram suas penas, mas com dignidade.”

O filme também se tornou ‘histórico’, pois o CAMHMP não existe mais. A presas são enviadas a centros hospitalares (a maioria no Complexo Carandiru), onde há a Penitenciária Feminina. “80% delas têm filhos. A ideia é pensar em pena alternativa. É melhor que as cumpram em liberdade, mas que suas famílias não desmoronem”.

Como bem diz Cláudia, o filme fez um movimento antropofágico. “Tudo que a sociedade joga fora, volta. Esse assunto existe. Não podemos deixar de lado.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo