Longa ‘Pelo Malo’ discute preconceito racial

Concha de Oro no Festival de San Sebastian, sucesso de crítica no Tribeca Festival, em Nova York – isso ocorreu depois que a diretora Mariana Rondón veio ao Brasil, e a São Paulo, para promover Pelo Malo. Ela se encontrou com o público após a pré-estreia do filme e correu para o aeroporto, para embarcar para os EUA.

Na chegada, vinha da França, onde Pelo Malo estreou com 50 cópias e instantaneamente conquistou o público e a crítica. Qual é o segredo desse filme? Traduzido ao pé da letra, o título seria “Cabelo Ruim”, mas a distribuidora Esfera não quis estimular o preconceito.

Nem a diretora – além de ser um produto raro nos cinemas brasileiros (um filme da Venezuela!), Pelo Malo aborda temas contundentes, mas que de maneira alguma podem ser considerados exclusivos do machismo na América Latina. Preconceito racial e de orientação sexual, discriminação por gênero e por condição social, tudo se confunde na história do menino negro que tem cabelo ruim. O sonho de Júnior é alisar o cabelo, mas a mãe o inibe porque para ela, isso seria coisa de gay. A própria mãe exerce uma função masculina – é segurança – e, sendo mãe solteira, transige com as investidas do patrão para manter o emprego. Tudo muito complicado, como se vê, e de certa forma Pelo Malo permite um interessante diálogo com o nacional Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro.

Embora vizinha, e sempre próxima dos brasileiros através do noticiário (Hugo Chávez, Nicolás Maduro, etc), a Venezuela é muito distante da gente. Quase nada sabemos de seu cinema, de sua cultura. “Para começar a entender meu filme, é bom ir logo dizendo que, se a indústria do petróleo é a maior fonte de divisas do país, a segunda é justamente a indústria da beleza, e num segmento particular. A Venezuela é um país mestiço. Muitos de nós temos o cabelo ruim. Homens e mulheres pagam caro para alisar os cabelos ou para manter dentro dos limites o ‘pelo malo’ que caracteriza nossa negritude.”

Ela adorou ter encontrado no Brasil – no Rio – integrantes de grupos de afrodescendentes que fazem todo um trabalho de convencimento de negros insatisfeitos com seu cabelo. Mariana é filha de ex-integrantes do grupo guerrilheiro FALN. A vida inteira ouviu palavras de ordem revolucionárias. A surpresa foi ter sido criticada por chavistas e aplaudida por oposicionistas venezuelanos. A denúncia da realidade hipócrita e injusta tem dimensão de metáfora. “Aceitar o cabelo como é significa reconhecer-se a si mesmo e ao outro, e o problema é que o olhar do outro pode ser violento.”

Para ela, a discussão de seu filme não é sobre gênero – se o garoto é gay, como teme a mãe. “É e não é sobre isso. Faz parte, mas o que eu queria discutir é algo muito sério que está ocorrendo em meu país. Desde Chávez, a Venezuela virou território de uma polarização muito forte. Não há diálogo. Quando o espectro é esse, a intolerância termina por se impor. Não há respeito, e isso, inevitavelmente, produz violência.” Só que, por mais importante que seja o subtexto político, ela confessa que o que a motivou foi a história. E o garoto.

Samuel Lange, que faz o papel, já tinha alguma experiência, mas Mariana teve a preocupação de criar um ambiente familiar e saudável para ele no set. Não queria criar uma dúvida de gênero nem forçar o garoto a atitudes que pudessem prejudicá-lo na vida. Na ficção, as atribulações do garoto começam quando ele tem de tirar uma foto para a escola. Seu sonho é ser cantor, e ele mostra a foto de uma Miss Venezuela como o exemplo que quer para seu cabelo. De nada adianta o fotógrafo propor a foto de um soldado. A confusão está formada.

Mariana possui uma empresa produtora com Marité Ugás, sua parceira também na vida. As duas se alternam nas funções de direção e produção. “Nesse caso, eu dirijo e Marité produz. No próximo, vamos inverter. Não é fácil fazer cinema na Venezuela, mas estamos conseguindo. E a repercussão internacional tem ajudado, até em termos de coprodução.” Em tempo – a projeção no exterior antecipou a estreia no País (em 9 de abril). Discussões e ataques à parte, o filme segue atraindo multidões. O maior sucesso do cinema venezuelano? As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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