Embora não escreva pensando nos atores, Asghar Farhadi é o primeiro a reconhecer: O Passado teria saído muito diferente, se tivesse prevalecido sua primeira escolha para o papel de protagonista feminina. Ele queria fazer o filme com Marion Cotillard, mas houve um problema na agenda da atriz e ela terminou declinando quase em cima do começo da filmagem. Bérénice Bejo a substituiu, e, no Festival de Cannes do ano passado, ganhou o prêmio de melhor atriz justamente pelo filme de Farhadi.
Numa entrevista realizada num hotel de luxo da Croisette, o diretor refletiu, para um grupo de jornalistas – “Não mudei uma linha do diálogo nem das anotações que havia feito para acomodar Bérénice, mas sua simples presença mudou tudo.” O repórter observou – claro, pois o cinema começa e se dilata na presença dos atores. “Exato” – ele concordou.
É fácil dizer que O Passado não é tão bom quanto A Separação, o longa precedente de Asghar Farhadi, pelo qual ele colecionou uma bateria de prêmios importantes. Urso de Ouro, Globo de Ouro, Oscars de melhor roteiro e melhor filme estrangeiro.
O Passado é da mesma família de A Separação. O que tem de melhor é quase a repetição do outro filme, mas Farhadi, como autor, faz uma ressalva decisiva. “Um é feminino, o outro é masculino.” E vai nisso uma diferença e tanto. O curioso é que O Passado é o filme de gestação mais longa (difícil?) da carreira de Farhadi. Começou a nascer antes mesmo de Procurando Elly, pelo qual recebeu o Urso de Prata em Berlim, em 2009.
A história lhe foi contada há muitos anos por um amigo, que já vivia separado da mulher, mas teve de se reaproximar dela por causa do processo de divórcio. O tema da ruptura do casal percorre Elly e A Separação, e segundo o diretor “engloba todos os outros”. Ele explica – “Pode-se falar de amor, de casamento, de família, e a família é base da organização social. Num país como o meu (o Irã), a questão religiosa do casamento termina por se superpor à social.” Sobre o fato de haver filmado na França, esclareceu – “Essa história não faz sentido, se fosse filmada no Irã. É sobre um homem que volta para um outro mundo, do qual se afastou. A França se impôs porque há uma tradição de intelectuais iranianos se asilarem no país, e também porque seu mercado tem acolhido muito bem nossos filmes. Abbas (Kiarostami) já filmara com parceiros franceses.”
Na história, Ali Mousaffa volta à França para oficializar o divórcio. A mulher, Bérénice Bejo, vive com outro (Tahar Rahim, de O Profeta) e o cara também é casado – sua esposa está em coma no hospital. Apesar do título, o filme se passa todo no presente.
“Queria que o filme fosse realista, e por isso evitei o flash-back, que seria uma quebra na continuidade tempo/espaço. Mas isso é só meia-verdade. O verdadeiro objetivo talvez seja despertar a curiosidade do espectador, para que ele crie, no imaginário, sua visão do passado. Sou um narrador, e acho que o drama é fundamental numa boa história. O fato de haver um mistério incrementa a dramaturgia.” É outro filme inconclusivo – “A Separação apontava para o futuro, por causa da menina. Aqui, a referência é o passado, que pesa sobre os personagens. Não gosto de filmes com finais fechados. Prefiro deixar o público no meio de muitas interrogações. Só assim acredito que será estimulado a sair do cinema pensando.”
Sobre seu elenco, Farhadi só tece elogios. “Pensava inicialmente em fazer o filme com Marion Cotillard, que é uma atriz a quem admiro, mas Bérénice (Bejo) terminou por se revelar a escolha perfeita. Tenho muito prazer em todas as etapas da realização de um filme. Gosto do roteiro, gosto da realização, justamente porque é interessante ver como os atores se apropriam dos personagens e dão vida àquilo que está idealizado na cabeça da gente. Bérénice foi maravilhosa.” Não admira que o júri presidido por Steven Spielberg tenha lhe dado o prêmio de melhor atriz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.