O mínimo que se pode dizer de O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, é que é uma animação diferente das que lançam os grandes estúdio. O segundo longa de animação de Abreu é traçado de forma artesanal, destoando da linha de montagem da computação gráfica, que ofereceu muitas facilidades ao gênero, mas também lhe limitou a criatividade. Aqui, o traço parece saído da mão e obedecendo à inspiração do seu criador e de sua equipe de desenhistas.
A história parece seguir uma ordem progressiva, que vai do simples ao complexo. A figura central, o Menino, é um esboço quase infantil, rudimentar, com a cabeça redonda e dois riscos no lugar dos olhos – como algumas crianças, ao fazer seus primeiros desenhos, representam um ser humano. À medida que a história progride, no entanto, o entorno do Menino vai ganhando relevo e complexidade. Há um notável trabalho de cores e a invenção vai se fazendo presente à medida que o personagem faz sua descoberta do mundo.
Por que esta é a história, em seu enredo mínimo: a família mora no campo, mas o pai embarca num trem e desaparece, talvez em busca de melhores condições de vida. O Menino, por sua conta, resolve descobrir o mundo e talvez encontrar o pai. Pega carona na carrocinha de um catador de lixo e vai viver suas aventuras pelo desconhecido. Quer dizer, vai do campo à cidade, que se apresenta com seu fascínio e também com sua loucura. Suas máquinas ameaçadoras, o “progresso” que lança fumaça escura ao céu e destrói a natureza.
Há um momento em que o filme flerta com o apocalipse. E, então, radicalizando a alternância de técnicas que vinha empregando até esse ponto, usa imagens documentais reais de árvores sendo abatidas, homens com motosserras em ação, as florestas caindo. Em sucessão rápida de imagens, quase subliminares, cédulas de dinheiro passam pela tela, expressando a marcha do capital que “ergue e destrói coisas belas”, como na letra de Caetano Veloso em Sampa.
Para falar a verdade, em O Menino e o Mundo a grana mais destrói que ergue coisas belas. O filme representa tanto o fascínio com o novo quando visto pelos olhos de uma criança quanto o espanto, que é de todos, diante da depredação do Planet.
Essa sucessão de imagens, que oscila entre o encanto e o desencanto, é embalada pelo som do rapper Emicida e do percussionista Naná Vasconcellos.
Desenho animado com arte e conteúdo, O Menino e o Mundo é, de fato, um ponto fora da curva na mesmice do cinema de animação. Resta ver como o público infantil o acolhe. Os pais fariam bem em oferecer aos filhos a oportunidade de ver alguma coisa diferente e de boa qualidade, para variar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.