Em O Enigma Chinês, de Cédric Klapschi, temos o terceiro ato da vida amorosa de seu herói, Xavier (Romain Duris). Depois de Albergue Espanhol e A Boneca Russa, ele agora reaparece, aos 40 anos, tentando salvar a convivência com os filhos pequenos. Estes se mudam, com a mãe, para Nova York, deixando o pai em Paris.
Desse modo, O Enigma Chinês traça seu eixo entre dois destinos fabulosos do mundo global – Paris e Manhattan. Depois de se sentir abandonado, Xavier embarca para os Estados Unidos para ficar próximo da família. Ou, pelo menos dos filhos, já que a ex-mulher, Wendy, resolveu refazer a vida ao lado de um milionário. Tão rico e civilizado que recebe muito bem o ex-marido francês da atual esposa.
Estamos então no mundo do século 21, no qual não existem fronteiras intransponíveis e, no fundo, tanto faz morar num lugar como em outro. Desde que estes satisfaçam certo ideal civilizatório, que tem a ver com a convivência entre diferentes, tolerância com amores do passado do parceiro, coabitação normal com classes, gêneros e opções sexuais, filhos em comum partilhando a vida com proles anteriores dos cônjuges, etc.
Dessa forma, Alex (Duris) será o porta-voz desse ar non chalance e cult que, se supõe, faça parte das características tanto de parisienses como de nova-iorquinos.
Ao lado, comparecem outros traços da vida global, como problemas com vistos de permanência, casamentos forjados, obrigação de negociar novos players do mercado (os chineses), entre outras bossas.
Dito isso, poderíamos pensar que O Enigma Chinês é mais um desses insossos sanduíches da era global, com atores de diversas nacionalidades, filmado em vários países, com idiomas e sotaques convivendo – um desses produtos para todos e para ninguém. Embora tenha um pouco dessas características, consegue escapar à estética fast-food por uma série de virtudes, a primeira delas o carisma de Romain Duris, com seu ar falsamente frágil e autoirônico.
Como se sabe, essa é uma característica dos cômicos na linha Woody Allen. A tradição, aliás, vem do stand-up comedy, por onde Allen começou. O ponto forte, aí, é a autodepreciação, a criação de um personagem em aparência frágil, mas que, por sua aguda capacidade de observação do mundo e de si próprio, acaba ganhando a simpatia geral.
Assim é o Alex, de Duris. Mais perdido que cachorro em dia de mudança, vai para um lugar em que se sente peixe fora d’água, mas rapidamente estabelece relações (inclusive amorosas) e aprende a se virar numa cultura diferente da sua.
Também a favor de Klapisch deve-se dizer que, a par do olhar deslumbrado com Nova York, de rigueur, hoje em dia, subsiste algum senso crítico. Por exemplo, ao desvendar o papel dos advogados no tecido legal da sociedade norte-americana através do profissional que ajuda Alex a lidar com seus problemas. Há momentos de fato engraçados nessa relação profissional. Estabelece uma atmosfera cômica, da qual a inteligência não é banida como se fosse uma intrusa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.