Longa ‘Heli’espelha a realidade cruel do México

Há pouco mais de um ano, o júri então presidido por Steven Spielberg encerrou o Festival de Cannes de 2013 atribuindo o prêmio de direção ao mexicano Amat Escalante, por seu filme Heli. Vamos recapitular. Spielberg e seu júri fizeram história ao atribuir uma Palma tríplice a Azul É a Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche. Além do filme, foram premiadas as duas atrizes – Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos. Mas o que realmente surpreendeu foi o prêmio de direção para Escalante. Spielberg, tantas vezes acusado de ser sentimental, premiou o mais seco e duro dos filmes. Nenhum apelo aos sentimentos, muita violência.

Depois de Cannes, Heli venceu o Oscar mexicano, o Ariel, e foi o candidato do país para o prêmio da Academia. Não levou a estatueta de Hollywood, mas o prestígio de Cannes, e o fato de o prêmio haver sido dado por ninguém menos do que Spielberg, mudou a vida de Escalante. No Festival do Rio do ano passado, ele comentou com o repórter – “Spielberg avalizou meu filme, e o efeito foi extraordinário no México.

Todo mundo queria ver Heli. E, ademais, é um filme muito violento, reconheço. Mas não podia contar essa história sem violência. Estaria falseando uma realidade que é brutal. Demorei cinco anos para realizar o filme e o que coloco na tela é o jeito como todo mundo sabe que as coisas funcionam. O que é preciso é um clamor da sociedade para que haja mudanças. Senão, as pessoas vão continuar se matando.”

Como se começa um filme sobre o tráfico? Escalante começa Heli com o cadáver pendurado no viaduto, os genitais do homem queimados de forma cruel. Os traficantes incendeiam as partes íntimas de suas vítimas em cenas de tortura, animais – cães – são mortos a tiros e/ou pauladas. Por isso mesmo, pode causar espanto o que diz o diretor – “Minha primeira imagem nesse filme não foi de violência. Um homem olha seu pai no meio do campo. Queria começar de forma pacífica, chamando a atenção para um ambiente familiar que será colocado à prova.”

Heli é sobre uma garota de 12 anos, Estela, que se relaciona, contra a vontade da família, com um recruta do Exército. Ele quer fazer sexo, ela resiste. Ele não a força. Por mais que a pedofilia seja um tema forte, não é bem sobre isso que Escalante fala. Existe a família de Estela. Os homens trabalham na fábrica da General Motors. “Queria usar a paisagem de Guanajuato, onde nasci e me criei e tudo isso aqui mudou muito a partir da instalação da fábrica.”

Por mais que a família seja limpa, ocorre o inesperado. O recruta esconde na casa de Estela parte da droga que seus colegas militares desviaram, numa operação de combate ao tráfico. Ele quer dinheiro para fugir com a garota. Precipita uma tragédia. Os militares saem matando. Parte da família de Estela é dizimada. Ela é sequestrada. Começa uma trama de vingança. “Desde que comecei a desenvolver Heli, minha preocupação foi sempre o espectador. A violência do filme provocaria consciência ou teria um efeito catártico? Quero crer que a primeira hipótese seja a correta. É preciso ser doentio para se satisfazer com o banho de sangue”, afirma. “A violência está em toda parte. A escalada hoje não tem limite. Como o tráfico necessita de corrupção e impunidade para se manter, só existem bandidos.”

A violência não poupa ninguém, nem mulheres nem crianças. “É o que mais me assusta, é o que quero mostrar.” Apesar de todo o horror, Heli termina com esperança. “Não sabia direito como ia filmar a cena final. Imaginei-a, em princípio, de outra forma. Mas aí havia aquela janela, e aquela luz. Steven me disse que a cena final era de um artista. Expliquei que as circunstâncias ajudaram. Ele riu e acrescentou que isso ocorre com os artistas. A gente pensa muito, mas é a intuição de pegar o que o momento oferece que termina fazendo a diferença.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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