No dia 1º de outubro de 1969 os Beatles entraram nos estúdios Abbey Road para gravar seu penúltimo disco, “Abbey Road”. O LP começava com uma elegia ao guru do ácido lisérgico (LSD), Timothy Leary, que naquele ano decidira se candidatar ao governo da Califórnia contra ninguém menos que Ronald Reagan.

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Os primeiros versos de “Come Together” deveriam remeter ao slogan de Leary, “come together, join the party” (“venham, juntem-se à festa”, ou “ao partido”, uma vez que ‘party’ tem duplo significado). Leary não foi eleito, mas ouviu o disco na prisão, após ser preso por porte de maconha. Ficou louco da vida com Lennon, que não lhe deu o devido crédito na canção. Essa e outras histórias são contadas no livro “The Beatles – A História por Trás de Todas as Canções” (Cosac Naify, tradução de Alyne Azuma, 384 páginas, R$ 49), do jornalista inglês Steve Turner, que traz a obra integral do grupo comentada música por música.

Desde a época em que os Beatles vestiam roupas de couro preto, em 1962, até a dissolução do grupo, em 1970, nunca antes um jornalista dedicou tanto tempo ao estudo das letras de suas 208 canções como Steve Turner. “The Beatles – A História por Trás das Músicas” é não só um guia musical como um pequeno compêndio sociológico sobre o comportamento dos jovens nos anos 1960.

De um grupo que interpretava canções açucaradas no início de carreira, como “PS I Love You” (1964), a “Revolution” (1968), resposta desafiadora aos jovens burgueses que saíram às ruas, em maio de 1968, pregando a revolução maoísta, os Beatles enfrentaram as mudanças sociais e culturais do mundo sem medo de desagradar reacionários ou revolucionários. O argumento de John Lennon, porta-voz político do grupo, era o seguinte: todos falam em destruir o sistema, mas acabam colocando um monstrengo pior em seu lugar.

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“Revolution” (do álbum branco) seria, então, a expressão máxima de sua visão política. Dizia explicitamente que não contassem com ele nas barricadas, se fosse para engolir a velha história do sistema. E argumentava: Os franceses não haviam inventado essa lenda de liberdade, igualdade e fraternidade? Ao que isso levou? À guilhotina. Os russos não colocaram o trem do marxismo para rodar? E ele não saiu dos trilhos?

A revolução dos Beatles, segundo Turner, foi, assim, estritamente musical. A banda, diz ele, se notabilizou por ultrapassar os padrões de qualidade das gravações da época, incorporando em suas capas o que de melhor existia na arte pop e expandindo as fronteiras da música popular, ao absorver desde a influência do blues americano até a música concreta do alemão Stockhausen. Prova disso é “Revolution 9”.

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Turner mostra, em seu livro, que muitas das canções dos Beatles não tinham sequer o peso alegórico que muitos fãs gostariam que tivessem. “She’s Leaving Home”, do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, faz uso de uma linguagem naturalista porque foi inspirada numa notícia de jornal, sobre uma jovem adolescente londrina de 17 anos que fugiu de casa. Em 1967, segundo o FBI, 90 mil outros jovens fugiram de casa. Era a tal da sociedade alternativa chamando a moçada. A dupla Lennon e McCartney, sempre antenada, resolveu contar essa história. E criou um marco, o melhor disco pop do século 20.