Livro resgata vida e obra de Santos Dumont

São Paulo

– Em 2001, descontente com o descaso nacional com o centenário do primeiro grande feito do aeronauta Alberto Santos Dumont (em 1901, ele se tornou o primeiro homem a controlar um dirigível, ao decolar de um ponto em Paris, contornar a Torre Eiffel e voltar em menos de 30 minutos), o físico Henrique Lins de Barros intensificou suas pesquisas sobre o inventor, preparando-se para outra grande data: em 2006, comemoram-se os cem anos do primeiro vôo controlado de um aeroplano, o 14 Bis, que se tem registro na história.

“Santos Dumont é conhecido como o pai da aviação, mas ainda surgem dúvidas quanto ao valor de seus inventos”, comenta Barros. “Assim, pretendi provar que, até 1932, quando morreu, Santos Dumont foi um marco fundamental no desenvolvimento da aeronáutica.”

Barros pesquisou toda a documentação existente no Brasil e na França sobre o inventor, além de entrevistar seus descendentes, que lhe permitiram acesso às relíquias de família. O resultado de tamanho empenho é o livro Santos Dumont e a Invenção do Vôo (Jorge Zahar Editor, 192 páginas, R$ 41), que será lançado na terça-feira. Na obra, Barros detalha a trajetória do inventor a partir de comentários dele próprio e das pessoas com quem conviveu, buscando um retrato ainda desconhecido de Santos Dumont, com suas angústias e contradições.

Henrique Lins de Barros, físico especializado em biomagnetismo (em suas pesquisas, já descobriu diversas bactérias magnéticas), interessa-se por aviões desde garoto. Adulto, iniciou pesquisas sobre Santos Dumont até que, em 1985, foi consultor da diretora Tizuka Yamazaki, que planejava rodar um filme sobre o inventor. A obra não saiu do papel, mas permitiu a Barros fazer pesquisas na França, que incrementaram seu material.

Com a proximidade do centenário do vôo de Santos Dumont no balão n.º 6, em 2001, Barros pretendia reeditar a publicação A Conquista do Ar pelo Aeronauta Brasileiro Santos Dumont, lançada em Paris, em 1901. Apesar de datada, a obra apresenta detalhes da forma de trabalho do inventor e de seus métodos – desde jovem, quando estudou física, química, mecânica e eletricidade, Santos Dumont tinha enorme curiosidade por balões esféricos e já pensava em utilizar motores a explosão na aviação.

Aos poucos, suas primeiras experiências despertaram atenção em Paris. “Ele tinha uma incrível consciência de mercado e, enquanto os americanos só pensavam em esconder suas invenções, preocupados em patenteá-las, Santos Dumont realizava todos os seus experimentos na presença do público e de especialistas, buscando aumentar a credibilidade na aeronáutica, que era então desconhecida”, explica Barros.

Como as comemorações do centenário não aconteceram com o devido destaque, o físico decidiu preservar a re-edição para uma obra mais completa, que contextualizaria o trabalho de Santos Dumont. Por sua formação científica, Barros não acredita simplesmente na genialidade do inventor, mas em sua dedicação e curiosidade. “A produção dele se dá num espasmo, entre 1898 e 1909”, explica. “Nesse período, Santos-Dumont cria ao menos dois grandes inventos por ano, desde o primeiro balão até o Demoiselle, um delicado modelo em que ele revela ter compreendido como deveria ser o avião.”

Facilidade

Durante essa fase de efervescência, o inventor buscava soluções que facilitassem seu trabalho. Assim, ao comentar com o amigo Louis Cartier, em 1907 ou 1908, que sentia a necessidade de medir o tempo de vôo sem precisar tirar as mãos dos comandos, Santos Dumont recebeu dele um protótipo de relógio preso ao pulso. Batizado de “modelo Santos”, a novidade chegou ao mercado em 1911. “Infelizmente, aquele primeiro protótipo se perdeu, para o desespero da empresa Cartier”, comenta Barros.

Depois de célebres experiências – no dia 23 de outubro de 1906, a bordo do 14 Bis, ele sobrevoou o Campo de Bagatelle, em Paris; foram só sete segundos de vôo, mas o suficiente para manter em suspense o público reunido para ver a realização do sonho de Ícaro – Santos Dumont, esgotado, anunciou o fim de sua carreira de aeronauta, em 1910. “Nos 22 anos seguintes, mesmo aposentado, ele receberia as principais condecorações da aviação mundial.”

Velhice, depressão e suicídio

A velhice foi um peso para Alberto Santos Dumont. A depressão aumentou até ele dar cabo da vida, em 23 de julho de 1932. Apesar de não interpretar essa morte, Barros levanta as diversas hipóteses que o conduziram a um ato tão radical. “Pode ter sido a depressão, ou os sintomas de esclerose múltipla, ou mesmo alguma herança genética, pois sua mãe se suicidou em 1902”, argumenta. Também o uso crescente do avião em operações militares pode ter magoado o inventor, embora ele mesmo, desde 1901, comunicasse suas descobertas ao exército. Em todo caso, o então presidente Getúlio Vargas proibiu a divulgação do suicídio, pretendendo preservar a imagem do herói nacional.

“Santos Dumont era muito reservado em relação à sua intimidade, e o que se sabe é fornecido pelos bilhetes e cartas que trocou com amigos e familiares”, conta Barros, negando também a suspeita do homossexualismo do inventor. “Em todo o material existente, desde publicações a documentos particulares, não há nenhuma evidência. Seus amigos ingleses, aliás, diziam ser ele um mulherengo.”

O físico nota também o curioso uso do hífen no sobrenome, mas não adotado generalizadamente. “Acredito que ele queria ser conhecido na França como Santos-Dumont e não apenas como mais um Dumont; para isso, usava tanto o hífen como o sinal de igual no sobrenome”, conta Barros que, com o livro, pretende massificar desde já as informações sobre o inventor, preparando-se para as importantes comemorações do centenário do 14 Bis, em 2006. “Com sua curiosidade intelectual, Santos Dumont guarda semelhanças com Leonardo da Vinci”.

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