Livro resgata conflito esquecido na história do Paraná

Passei o carnaval lendo “Porecatu – A guerrilha que os comunistas esqueceram” (Expressão Popular, 401 páginas, 2011, São Paulo), de Marcelo Oikawa. Até onde sabia este tema tinha sido explorado com maior densidade, jornalística, apenas por Pedro Paulo Felismino numa série de reportagens para a Folha de Londrina, em 1985, que tinha por título “A Guerra de Porecatu”. Do livro eu só não gostei do subtítulo (a guerra que os comunistas esqueceram) porque me parece que o episódio teve grandeza maior que os problemas internos e intermináveis dos comunistas brasileiros, embora eles estivessem envolvidos e fossem atuantes no conflito.

Além disso, os comunistas esqueceram tanta coisa que mais uma menos outra, não seria novidade. A Guerra de Porecatu, como na série de reportagens, me parece mais apropriado embora, aparentemente, a expressão possa ser acusada de exagero. Eu não acho exagero. Para quem estava envolvido, aquilo foi uma guerra, pequena, mas uma guerra. No entanto, a impressão que eu tive é a de que costurando o envolvimento do partido com o episódio, como algo central, Marcelo Oikawa procura acentuar a importância do conflito até então ignorada e atribuir certa responsabilidade ou de apoio logístico negligenciado pelo partido. Daí o título. Eu acho que o tema central foi a luta pela terra. Mas isto não diminui em nada a importância do livro. 

O livro é um catatau. Há uma contextualização histórica não apenas regional, mas nacional e às vezes internacional, até para explicar mudanças de tática dos comunistas brasileiros, sem se afastar das escaramuças locais, que leva o episódio a ser lido como uma forma alternativa e pouco glamourosa de ocupação territorial do Norte do Paraná. O conflito é apresentado, corretamente, não de forma localizada, mas como parte do processo maior de ocupação fundiária da região, com seus agentes conflitantes. Ou seja, o território paranaense foi ocupado nem sempre de acordo com a visão romântica oficial, mas também com violência de latifundiários e grileiros quase sempre escoltados pelo estado. Não é o tipo de leitura para um fim de semana. A não ser que tenha carnaval no meio.

Reflexão sobre a história

A leitura de ensaios históricos é diferente da leitura de romance ou livro de contos. No segundo caso, se o livro é bom, a gente tem pressa de terminar, é algo meio compulsivo, a leitura voa. Com ensaios acontece o contrário, é uma leitura reflexiva; se é um tema próximo vem lembranças e a reflexão é inevitável (às vezes sobre coisas que não tem a ver diretamente com o livro, mas que o leitor não pensaria se não estivesse lendo, como a escassez de obras do gênero em nossa bibliografia regional, episódios sociais violentos presenciados na infância, etc). Além disso, o assunto faz parte do imaginário da juventude de quem hoje tem mais de 50 anos e até da história pessoal de quem morou no Norte do Paraná nos anos 50 e 60. De uma forma ou de outra, a pessoa faz parte daquilo que o livro narra, embora com entonação emotiva e romântica, evocações da juventude. A leitura leva a buscar na memória referências e comparações.

O livro é bom, bem costurado, tem estilo narrativo que foge da “profundidade” acadêmica quase sempre traduzida em longas digressões e também escapa dos maneirismos da reportagem, que impõe certas reduções e brevidades, para não cansar o leitor comum, leitor de jornais. Marcelo Oikawa colheu informações orais (principalmente do comunista Manoel Jacinto, atuante no conflito), fez tudo na hora certa (antes a ditadura não deixava). Com isso produziu uma narrativa embora extensa, bem escrita e gostosa de ler.

E ainda bem que ele teve a generosidade e o empenho para ir fundo na história. Mais um pouco ela ia se evaporar e as novas gerações ficariam sabendo do episódio apenas como nota ao pé de página de outro livro. Ao ler o livro, recordei uma conversa com o professor Wilson Martins, numa manhã de 2,002. Eu comentei que achava o Contestado um episódio histórico mais denso e complexo que Canudos. E achava que o segundo ganhou maior relevância porque teve Euclides da Cunha para escrever sobre ele, enquanto o primeiro não teve ninguém desta grandeza para narrá-lo. Ele concordou – ou, antes de mim, já pensava a mesma coisa, não sei. Mas o certo é que alguns momentos históricos não podem prescindir de um escriba se querem continuar na história.

Existem muitos episódios históricos grandiosos e sobrevivem aqueles que os livros contam. O exemplo mais notável, talvez, seja a Guerra de Troia, uma guerrinha meio besta, briga por mulher, que entrou para os anais como uma dos maiores conflitos da humanidade porque Homero resolveu meter o bedelho por lá. Quantos outros conflitos ninguém soube, ninguém viu? O episódio de Porecatu teve a sorte de contar com o empenho de Marcelo Oikawa, que por anos pesquisou centenas de documentos (não seria exagero dizer, milhares), entrevistou pessoas que tiveram participação no conflito, raspou o tacho em busca de informações e construiu o que me parece ser a obra definitiva sobre a chamada Guerra de Porecatu. Que os comunistas esqueceram e os paranaenses também iam esquecer. Agora não tem desculpa.

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