Livro detalha a história do Estácio, berço do samba

Três símbolos da cultura brasileira poderiam resumir a história do bairro do Estácio, na região central do Rio: por volta de 1760, um holandês cultivou ali os pés de café que acabaram se espalhando pelo País e sustentando um ciclo econômico nacional; em 1888, foi instalada no bairro a primeira fábrica de cerveja do Brasil, a Brahma; e, 40 anos depois, foi no mesmo Estácio que um grupo de compositores deu ao samba os traços com que se tornou o ritmo musical mais famoso do País.

O Estácio foi palco de muitas outras passagens importantes da história do Rio e do Brasil, mas nem de longe tem a fama de Ipanema e Copacabana, bairros da zona sul. O poeta e letrista Bernardo Vilhena, autor de clássicos do pop nacional, como Menina Veneno (com Ritchie), Vida Louca Vida (com Lobão) e Mais uma de Amor (Geme, Geme) (com Evandro Mesquita e Antônio Pedro, sucesso da Blitz), viveu parte d infância na região.

“Minha avó morava na Saúde, que é um bairro vizinho, e tenho muitas lembranças dali”, conta. Em 2011, ele convenceu uma empresa a patrocinar livro sobre o Estácio e convidou o historiador Maurício Barros de Castro a dividir a tarefa com ele.

Após dois anos de pesquisas, Vidas e Obras: Estácio, Cidade Nova e São Carlos foi publicado em 2013 e agora será relançado pelo Rio+Social, programa da Prefeitura do Rio em parceria com a ONU para melhorar a qualidade de vida em áreas com Unidade de Polícia Pacificadora – o Morro de São Carlos, trecho do Estácio onde há uma favela, tem uma UPP desde 17 de maio de 2011.

Um dos desafios dos autores foi definir quais bairros seriam abrangidos no livro. “Estácio e Cidade Nova são vizinhos, com muita coisa em comum. O morro de São Carlos faz parte do Estácio, mas vale uma menção específica porque tem muita importância, principalmente na história da música”, disse Vilhena. “Queria estender também ao Rio Comprido e ao Catumbi (outros bairros da região), mas ficaria exagerado.”

“Minha maior surpresa durante a pesquisa foi descobrir que a origem do cultivo de café no Brasil foi no Estácio. Mas as histórias que envolvem o bairro

impressionam, e a maioria delas é desconhecida”, acrescenta ele.

A história de dois dos principais ritmos musicais brasileiros passam por uma rua do Estácio chamada Visconde de Itaúna. Foi ali que, em 1848, nasceu Joaquim Antonio da Silva Callado, flautista considerado o criador do chorinho e que viveu até 1880. Na mesma rua morou Tia Ciata, uma baiana iniciada no candomblé que chegou ao Rio em 1876. Era uma mãe de santo tão respeitada que, em sua casa, os sambistas, à época combatidos pela polícia nas ruas, podiam se reunir sem serem importunados. Pesquisadores dizem que no quintal daquela casa surgiram os versos de Pelo Telefone, primeiro samba gravado, em 1916.

Na década de 1920, um grupo de compositores, como Ismael Silva (1905-1978) e Alcebíades Barcelos, o Bide (1902-1975), mudou o andamento do samba, até então assemelhado ao maxixe, adotando instrumentos como surdo, cuíca e tamborim. Em 1928, o grupo criou a Deixa Falar, considerada a primeira escola de samba da história – a data oficial registrada (12 de agosto) permite concluir que a Mangueira tenha sido criada antes (em 28 de abril), mas até Cartola, fundador da Verde e Rosa, admite o pioneirismo da escola do Estácio.

A importância musical do bairro passa ainda pelo baião. Na década de 1940, quando chegou ao Rio vindo de Pernambuco, Luiz Gonzaga (1912-1989) foi morar no Estácio e se apresentava na Zona do Mangue, área vizinha onde a prostituição era tolerada.

A lista de artistas cuja história se confunde com o bairro inclui ainda a poetisa Cecília Meirelles (1901-1964) e os cantores Moreira da Silva (1902-2000) e Wilson Simonal (1939-2000), cujo espírito malandro tão bem representava o bairro.

Nos últimos anos, porém, a malandragem foi substituída por quadrilhas ligadas ao tráfico – o livro relembra que o compositor Luiz Melodia, cria do bairro, contou ter sido obrigado a pedir autorização de traficantes para gravar um documentário sobre a favela onde nasceu, no morro de São Carlos. “Não adianta só ter polícia ali, é preciso oferecer outros atrativos, lazer e vida normal aos moradores”, disse Vilhena.

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