Livro de Evaldo Cabral de Mello ganha edição ilustrada

Evaldo Cabral de Mello está aposentado. Da carreira diplomática, da história, da escrita. Mesmo que apareça o diário íntimo de Maurício de Nassau, ele brinca, não vai mudar de ideia. Ou então um documento que esclareça algum ponto do período a que dedicou sua vida: o Brasil Holandês. Prestes a completar 80 anos, ele diz que um historiador deve parar aos 70. “A cabeça, e isso eu notei comigo, começa a embaralhar, a tropeçar”, justifica. Mas sua obra está aí, e continua rendendo frutos.

Na quarta-feira, 16, quando o historiador pernambucano recebeu o jornal O Estado de S.Paulo em seu apartamento, no Rio, ele se preparava – torcendo para que os amigos não aparecessem (“Tenho cãibra de escrivão”) – para o lançamento de uma nova edição de O Negócio do Brasil – Portugal, Os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669), livro lançado em 1998 e disponível, até esta semana, apenas na edição de bolso da Companhia das Letras. Referência para historiadores, a obra integra uma trilogia sobre o período da dominação holandesa da qual fazem parte, ainda, Olinda Restaurada (1975) e Rubro Veio (1986).

A edição que chega agora às livrarias busca um público novo. E, para tal, a editora Capivara aposta na rica iconografia da época incluída no volume.

“História diplomática é uma leitura árida e só diplomata gosta. Se adoça com gravuras e representações, atrai mais leitores”, comenta. As imagens não são meramente ilustrativas, ele diz, e as legendas de Pedro Corrêa do Lago e Julio Bandeira ajudam na compreensão dessa narrativa sobre as “peripécias” envolvidas na devolução do Nordeste aos portugueses.

O autor não participou da escolha das imagens; pediu apenas que não esquecessem o retrato de George Downing, representante inglês em Haia. E foi surpreendido por uma tela que desconhecia – a representação das carcaças dos irmãos de Witt atribuída a Jean Baden. Há, ainda, outras reproduções de pinturas – muitas das quais de Frans Post -, folhas de rosto, manuscritos e gravuras. Só o que não agradou o autor foi a quantidade de “caras” do padre Vieira. “Ele foi o primeiro entreguista da história do Brasil. Só participou das negociações para atazanar”, comenta. O livro teve apoio da Lei Rouanet e custou, segundo Pedro Corrêa do Lago, cerca de R$ 300 mil.

A história do Brasil Holandês é cara ao autor desde que ele era “meninote”. Foi José Antonio Gonsalves de Mello, primo 20 anos mais velho, que a apresentou ao garoto de então 12, 13 anos, irmão caçula de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), que, filho temporão e solitário, só lia. O autor de Tempo dos Flamengos plantou ali a sementinha, mas mandou o menino estudar holandês do século 17 para que pudessem conversar – lição que ele próprio ouviu de outro primo deles, Gilberto Freyre.

Crucial também foi a leitura de Fogo Morto, de José Lins do Rego, “um escritor muito engraçado” com quem se encontrou anos depois. “A história se passava em engenho de açúcar e como nasci depois disso, o imaginário me impregnou. Mas quando li o livro de Zé Antônio vi que a história é bem melhor que a ficção porque você não precisa cansar a cabeça imaginando coisa.”

Tornou-se diplomata, esbarrou por acaso no tema que despertou sua curiosidade na adolescência, estudou holandês, mergulhou em antiquários, livros e mapas e se tornou o principal historiador brasileiro sobre aquele tempo. Visitou a Holanda só uma vez, em 1979, e não quis voltar. “Está tudo nos mapas.”

Prefere não falar sobre a história recente do País. “Sou desanimado por natureza e ainda vêm mais esses momentos, então fico prostrado”, diz. Sua preocupação hoje é com a secura do ar. Por recomendação médica, se desfez de cerca de 2 mil livros e guardou uma centena. Escrever nunca lhe deu prazer: “Essa sempre foi uma violência que eu me fazia e me dava ansiedade. Não quero mais saber disso; só preciso de um ou outro livro para reler”.

Uma vez por semana vai à Academia Brasileira de Letras, onde ocupa, desde março, a cadeira de João Ubaldo Ribeiro. “Tem um ar do Itamaraty dos anos 1950. As pessoas são cordiais”, ele afirma.

Coincidentemente, seu irmão poeta e autor de Morte e Vida Severina, que era 16 anos mais velho, fez o mesmo caminho. Os dois conviveram mais já adultos. “João era muito difícil, neurótico. Junto dele eu sou de tirar de letra”, brinca com sua fama de ranzinza.

Não gosta de viver no Rio, mas não voltaria ao Recife. E não gosta de ir aos lugares onde já viveu (Washington, Paris, Madri, etc.) porque “dá uma melancolia danada”. “Mas gosto de um lugar que não conheço e se eu pudesse escolher viveria numa aldeiazinha perto de Bordeaux, que deve ser uma cidade muito boa, com médico, farmácia, livraria e o Atlântico.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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