O sucesso de alguns livros que tratam de temas complicados se deve muitas vezes a fatores relativamente externos a eles. A venda de "Uma Breve História do Tempo", de Stephen Hawking (e agora de sua continuação, "Uma Nova História do Tempo", em parceria com Leonard Mlodinow), pode ser em boa parte explicada pela atração por sua interessantíssima figura, o físico genial que é deficiente físico, e também por alguns de seus conceitos, sua visão de um "mistério essencial" no cosmos. Já "Breve História de Quase Tudo", de Bill Bryson,(Companhia das Letras, 544 págs),que vendeu centenas de milhares de exemplares nos EUA e na Inglaterra e também tem aparecido na lista dos mais vendidos no Brasil, não pode ser explicado por nenhuma personalidade ou teoria, apenas pelo livro em si. Não se veja aqui um juízo de valor, afinal Hawking vai muito mais a fundo, sem deixar que a linguagem fique confusa; seu livro é complexo, não complicado. O que tem feito o sucesso de Bryson é, por sua vez, a simplicidade e o charme raríssimos de sua escrita, que tampouco banaliza conceitos.
Bryson é um jornalista americano de 55 anos, que viveu durante muito tempo na Inglaterra, e não tem formação científica Seus livros de viagem pelo país natal, dois dos quais foram traduzidos no Brasil, e um sobre a língua inglesa, Mother Tongue são seus trabalhos mais conhecidos. Ou seja, não se trata de um sujeito exatamente famoso ou especialista.
Mas disso é que extrai seu primeiro trunfo: ele confessadamente decidiu escrever "Breve História de Quase Tudo" a partir de sua ignorância. Estava sobrevoando o oceano em uma de suas incontáveis viagens quando se deu conta de que não entendia uma série de fenômenos naturais, como o motivo de a água do mar ser salgada; também não compreendia por que os cientistas não conseguem prever bem as chuvas e os terremotos. Durante três anos se pôs a pesquisar. E escreveu um livro que, embora o título soe pretensioso, tem mais ênfase em "breve" que em "tudo".
Seu segundo trunfo: não limitou sua pesquisa a uma área apenas. Geologia, biologia, física, química, antropologia – suas perguntas não raro convocavam respostas de todas as áreas. Leu os principais cientistas escritores dos últimos 30 anos, gente como Isaac Asimov e Carl Sagan, Bertrand Russell e Richard Feynman, Stephen Jay Gould e Richard Dawkins, Francis Crick e Jared Diamond, Freeman Dyson e Oliver Sacks, além de Hawking e jornalistas da área como John Gribbin, Matt Ridley e Dennis Overbye, entre muitos outros. Tudo isso – e este é seu terceiro e maior trunfo – ele leva para seu texto com leveza e humor, livre de notas de rodapé, apostando na pegada narrativa. Claro, não lança luzes sobre seus assuntos. Mas aí seria pedir demais.
Num tempo em que as escolas parecem desinteressantes para alunos cada vez mais distraídos e ajudados por recursos como a internet, o sucesso do livro de Bryson é importante. Para países como o Brasil, onde a dificuldade para lidar com as ciências naturais data de gerações, tem mais relevância ainda. Bryson comunica um prazer com o conhecimento que é raro encontrar em nossos professores. Seu fascínio é pela engenhosidade da natureza, pelas belezas e sutilezas de suas características e comportamentos. Evita o tom professoral, solene, mas não distorce ou moraliza os conceitos para bajular o leitor – o que também raramente se entende.
Bryson adota um método eficiente para conduzir o leitor. Os personagens históricos – Galileu, Copérnico, Newton, Darwin, Lyell, Mendel, Einstein, etc. – vão surgindo em perfis e experimentos; e a cronologia é sempre referida, mas ele a quebra constantemente. Na primeira parte, "Perdidos no cosmo", descreve o universo, o sistema solar e teorias como o Big Bang e abre, por exemplo, parágrafos para as imagens recém-obtidas de supernovas, explosões resultantes do colapso de estrelas de nêutrons. Na segunda parte, prossegue com a noção de que o universo é um local solitário, onde nossa vida é uma probabilidade remota, para descrever a revolução que foi a descoberta das diversas camadas geológicas da Terra, muito mais antiga do que se pensava até o século 19, e com isso introduzir a química e seus elementos.
A terceira parte, sobre a física moderna, é satisfatória embora passe muito rapidamente por assuntos difíceis como a física de partículas. Bryson explica bem o caráter "antiintuitivo" de teorias como a Relatividade e a quântica e aproveita para derrubar clichês como "tudo é relativo" e as leituras esotéricas da incerteza subatômica. Usa analogias eficazes, ainda que a maioria não seja de sua autoria: "O elétron não voa em torno do núcleo como um planeta ao redor do Sol; ele assume o aspecto mais amorfo de uma nuvem." O tom bem-humorado dá apoio freqüente: "Hoje em dia, os aceleradores (de partículas) têm nomes que soam como alguma arma das aventuras de Flash Gordon: o supersíncroton de prótons, (…) o grande colisor de hádrons (…)", etc. Ou então, na quarta parte quando comenta as especulações a respeito da extinção dos dinossauros: "A boa notícia é que é muito difícil extinguir uma espécie. A má notícia é que não podemos nos fiar na boa notícia"
Mas é na quinta parte, sobre a vida na Terra, que o livro tem seus melhores momentos. Há até um sabor reflexivo nas descrições engraçadas de Bryson. "O universo é um lugar surpreendentemente instável e agitado, e nossa existência nele é um milagre", observa. "Se uma longa e inimaginavelmente complexa seqüência de eventos, retrocedendo até uns 4,6 bilhões de anos atrás, não tivesse se desenrolado de uma maneira específica em determinados momentos – se, tomando um caso óbvio, os dinossauros não tivessem sido exterminados por um meteoro naquela época exata -, é bem capaz que você tivesse poucos centímetros de comprimento, longos bigodes e uma cauda, e estivesse lendo isto em uma toca."
Esse esforço de trazer o aprendizado para a realidade imediata do leitor se manifesta também em críticas irônicas, como quando ele diz que ciclos de aquecimento do planeta aconteceram no passado, como está acontecendo agora, mas que levaram "apenas" 60 mil anos para voltar à estabilidade.
Para dar um último exemplo da técnica expositiva de Bryson, eis como ele explica o risco e a importância do momento em que os hominídeos passaram a andar sobre dois pés. A pélvis foi reformulada para sustentar mais peso, o que levou ao estreitamento do canal vaginal. Daí a dor no parto humano e a necessidade de o bebê nascer enquanto seu cérebro é pequeno – enquanto ele ainda é uma criatura indefesa. "Isso requer que a criança receba cuidados por um longo tempo, o que, por sua vez, implica uma união sólida entre macho e fêmea", completa Bryson, indicando como a cultura surgiu onde a natureza se diferenciou. Agora, leitor, seja um pai cuidadoso e compre esse livro para seus filhos.