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Liniker e os Caramelows estreiam sem medo de falar de amor

O mar trazia consigo um vento gelado. Lufadas de ar frio sacudiam o público que se juntava em frente do palco montado na praia do Perequê, em Ilhabela. Amontoavam-se como se ali houvesse uma fogueira. Eram Liniker e os Caramelows, contudo, emanando calor em uma interpretação inspirada de Zero, o maior sucesso do grupo que, à época, tinha lançado um EP com três músicas e pouco menos de dois anos de existência. “Me lembro do beijo em teu pescoço, do meu toque grosso, com medo de te transpassar”, repetem Liniker e as backing vocals, como um mantra. A canção segue para a ponte entre estrofe e refrão, novamente repetida. Martelada, doída: “Peguei até o que era mais normal de nós e coube tudo na malinha de mão do meu coração”. Por fim, Liniker se entrega de vez. “Deixa eu bagunçar de vez”, explode, repete e alonga a última sílaba: “Deixa eu bagunçar você”.

Atração do Vento, simpático festival de música independente realizado à beira-mar, Liniker e banda não tinham um disco para chamar de seu. Com três canções lançadas em Cru, um EPzinho de 13 minutos de duração e gravado com R$ 200, começaram a reunir a atenção de nomes grandalhões da música brasileira. Gente do quilate de Gilberto Gil e Daniela Mercury estão entre eles. Novos nomes também, caso de Mallu Magalhães (agora só Mallu) e Criolo. Faltava só mostrar a consistência exibida naquelas três músicas – e nos 80 shows realizados em oito meses. O disco Remonta nasce assim.

Graças ao financiamento coletivo e ao espaço no Red Bull Studios, no centro de São Paulo. Do estúdio improvisado na casa de um dos integrantes da banda, em Araraquara, cidade localizada a pouco menos de 300 km da capital do Estado, Liniker e os Caramelows debutam o álbum de estreia logo no pomposo Auditório Ibirapuera. São dois shows, marcados para os dias 1.º e 2 de outubro, sábado e domingo, às 21h e 19h, respectivamente. Os ingressos, que começaram a ser vendidos na semana passada, se esgotaram em uma hora.

“Estávamos nesse momento de querer que isso (a carreira da banda) acontecesse”, explica Liniker. “Tudo o que está acontecendo com a gente foi além do que a gente poderia imaginar, mas não foi do nada.” Rafael Barone, baixista do Caramelows, concorda: “A gente não gosta dessa narrativa de que tudo o que aconteceu conosco tenha sido do nada. Só a gente sabe o tanto de trabalho que tivemos para que isso acontecesse.” Além de Liniker e Barone, o Caramelows é formado por Renata Éssis (backing vocal), Pericles Zuanon (bateria), William Zaharanszki (guitarra) e Márcio Bortoloti (trompete).

E tudo começa e, não por acaso, gira em torno de Liniker. Transgênero, diz: “Sou cantora”. E assim será. “O artigo é ‘a’.” É cantora. Seu alcance é masculino e feminino, grave e agudo. O eu lírico de Remonta é prioritariamente feminino. E vem de tudo o que Liniker sentia e guardava aos 16 anos.

Grande parte dessas canções que se ouvem no disco lançado nas plataformas de streaming na última sexta-feira, 16, começou a ser escrita quando Liniker tinha 16 anos. De forma geral, as canções de Remonta são “cartas de amor que nunca mandou”, explica Liniker. A justificativa nem sequer se fazia necessária. São as canções de amor – ou de desamor -, que comandam o álbum de estreia do grupo. Aos 21 anos, Liniker, enfim, entrega cada uma dessas cartas. “Foram muitos pés na bunda”, brinca Liniker. “E é assim até hoje.” E segue: “Passei a não conseguir mais segurar esses sentimentos dentro de mim. Precisei transformá-los em outras coisas e encontrar qual seria o melhor jeito para isso. Decidi musicar essas cartas. Era uma válvula de escape para todas essas angústias.”

Natural de Araraquara, Liniker se muda para Santo André, na grande São Paulo. Acompanhado de suas canções, voltava à cidade nas férias escolares. “Liniker apareceu em 2014”, lembra Barone. “A gente já se conhecia da vida em Araraquara, mas ele apareceu no estúdio com as músicas, já com a ideia do Remonta.” Uma das primeiras a ser criada com a banda, de fato, foi Louise du Brésil, faixa que integrou o EP Cru com a já citada Zero e Caeu. A versão de Louise de Remonta conta com a participação de Thiago França (Metá Metá e Passo Torto) na flauta e sax tenor.

As outras duas canções também sofreram alterações com o passar do tempo – Zero do Vento Festival, por exemplo, não é a mesma registrada no EP e aquela versão ao vivo já foi remontada para Remonta. E muito disso se deve à produção e arranjos de cordas de Márcio Arantes, sujeito que já trabalhou com Maria Bethânia e Tulipa Ruiz, e às novas participações especiais, caso de Xênia França (nos vocais de Prendedor de Varal), Marcelo Jeneci (wurlitzer e sanfona em Sem Nome, Mas Com Endereço), Tássia Reis (vocais e música em BoxOkê) e o coro de Assucena Assucena, Raquel Virgínia e Tulipa Ruiz, que se junta às vozes de Liniker, e Renata na grandiosa Ralador de Pia. E, mesmo com roupagem diferente, o sentimento ali dentro ainda é o mesmo: corações, bagunçados outras vezes, ainda abertos. “Por isso é Remonta”, explica Liniker. “É remontar coisas que estão fragilizadas dentro de mim e estar pronta para outra.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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