Esportes radicais psicológicos definem os dois livros de Lourenço Mutarelli que acabam de chegar às livrarias – O Natimorto (DBA) e Jesus Kid (Devir). É recorrente na obra do autor, o mais notável quadrinista brasileiro, a busca pelo limite nas relações humanas e pela corrosão da psique. Para exemplificar, quem conhece a sua obra não se esquecerá jamais do casal que apodrece em frente da TV, em Resignação.
Mas, pior, desta vez Lourenço testa seus personagens – o Agente, de Natimorto, e Eugênio, de Jesus Kid -, para ver até onde eles agüentam. À moda de Pasolini, mostra quanto pode degradar o personagem Eugênio. Vai mais fundo do que Polanski com o seu também escritor Oscar, de Lua de Fel. Mas o coitado Eugênio – "é, coitado é quem sofreu o coito", divaga Lourenço durante a entrevista – cai numa lua de fel crua, sem o humor negro da obra de Polanski.
Livros movidos por circunstâncias bem diferentes, O Natimorto e Jesus Kid têm alguns pontos em comum. O mais forte já podia ser visto em HQs como Transubstanciação, seu primeiro álbum, lançado em 1991, e A Confluência da Forquilha, de 1997 – a dor, a loucura não declarada e um certo masoquismo, em última análise.
Os dois livros são ambientados dentro de hotéis, num clima desconfortável como o de O Iluminado, livro de Stephen King, adaptado por Stanley Kubrick, ambos perturbadores. Eugênio escritor de livros baratos de western, que assina com o pseudônimo Paul Gentleman, é convidado a passar três meses encerrado num hotel. Terá de escrever um roteiro de cinema, sobre justamente como é o processo de criação de um escritor. Big Brother intelectual que, num primeiro momento, para alguém afundado em dívidas, parecia fácil.