Foi um encontro e tanto. Lima Duarte pouco conhecia do Padre Antônio Vieira quando o cineasta português, Manoel de Oliveira, convidou-o a interpretar o pároco jesuíta em Palavra e Utopia. Para fazer o filme, o ator precisou mergulhar fundo na obra do mestre do barroco. Ler todos os seus sermões, estudar sua biografia, compreender sua destreza única no manejo das palavras.

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Já se passaram 13 anos desde então. O longa foi lançado em 2000. Mas Lima volta a encontrar-se com Antônio Vieira em Língua de Deus, montagem que abre hoje o 6.º Festival Ibero-Americano de Teatro. Durante o evento, que se estende até o dia 24, serão encenados também outros 13 títulos, de seis países.

Ainda que integre a grade oficial da mostra, Língua de Deus não é propriamente um espetáculo. Mais adequado, talvez, fosse chamá-la de obra em construção. “Ainda não está acabado. Será um primeiro teste com o público. É como se fosse um stand-up. Um ‘old stand-up’ porque parece que só jovens fazem esse gênero, não é? “, questiona o intérprete, que assina também a dramaturgia e a direção.

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A obra surgiu por acaso; enquanto participava de um colóquio de intercâmbio cultural Brasil-Portugal, na Universidade de Coimbra. “A Globo me enviou para lá e eu não sabia ao certo sobre o que falar”, conta. Acabou concebendo esse recital, em que a voz do padre Vieira encontra outra: a de Guimarães Rosa. “Pensei em unir o mais brasileiro de todos os portugueses, que era o padre Vieira e, do outro lado, João Guimarães Rosa. Trouxe Riobaldo Tatarana, herói do Grande Sertão: Veredas”, explica. “Bolei um diálogo dos dois. Porque o Vieira leva o idioma aos píncaros do que pode ser. É um imperador da língua. E o Guimarães Rosa é um ‘inventa-língua’. Quando a palavra não traz exatamente o que ele quer dizer, ele cria uma outra.”

Na tentativa de temperar essa conversa entre Guimarães Rosa e Vieira, o intérprete convoca um terceiro elemento. Traz a imagem de um velho índio tupi e recupera um episódio dos primórdios da colonização. Obrigado a rezar uma versão da Ave-Maria – transposta pelo padre Anchieta do latim para o tupi -, o indígena arruma um subterfúgio linguístico para não louvar uma santa da qual não era devoto.

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“Juntei esses três cavalheiros, o padre, o jagunço e o índio, e os coloco para falar”, conta o ator. Dessa reunião fictícia, Lima tenta extrair respostas para as perguntas: do que falavam esses homens? Que língua era essa? E qual seria a língua de Deus? “A língua divina é a da justiça, da compreensão, do amor”, diz ele. “Neste tempo de tanta grosseria e crime queria fazer algo sofisticado, elaborado. Depois, quero pegar esse meu stand-up e sair por aí, para mostrar a quem quiser me ver.”

6º FESTIVAL IBERO- AMERICANO DE TEATRO – Memorial da América Latina. Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664, telefone 3823-4600. Grátis. De 18 a 24/3.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.