Lília Cabral se diverte com a as vilanias de sua personagem

Assim que recebeu a sinopse de Chocolate com Pimenta, Lília Cabral se viu tomada por uma curiosa mania: recortava todas as fotos de mulheres que encontrava em colunas sociais de jornais e revistas. A atriz confessa aos risos que chegava a pedir para arrancar páginas de velhas revistas folheadas na sala de espera do dentista, do cabeleireiro ou da manicure. Foi assim que ela começou a se aproximar da personalidade de Bárbara, a mulher do prefeito de Ventura, Vivaldo, vivido por Fúlvio Stefanini. “Sempre que me deparo com uma nova personagem, fico ligada o tempo inteiro. Parece que tudo pode servir à composição”, justifica a atriz, com ar elétrico.

A face “mulher de político” também não foi esquecida. A maior inspiração veio de Hillary Clinton, esposa do ex-Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton. “Nas fotos, ela aparece sempre séria, não ri quase nunca”, observa a atriz, dando pistas de seu processo de composição. A intenção, ela destaca, nunca foi “copiar” expressões ou comportamentos típicos, mas apenas ter a certeza de que existem mulheres como Bárbara na vida real. Da mesma forma, foi inspirada na “eterna rivalidade feminina” que Lília desenhou a relação de Bárbara com Jezebel, a megera interpretada por Elizabeth Savalla. “Duvido que exista mulher que não se identifique em algum momento com a ?disputa? delas”, aposta.

De fala mansa e tranqüila, Lília escancara um enorme sorriso ao comentar as maldades da personagem. Não que ela tenha qualquer predileção pelas vilãs. Aliás, se precisar encarar cenas de violência física, a atriz logo toma antipatia delas. “Quando tenho de fazer, faço. Mas não gosto de dar tapas na cara, ameaçar, apontar armas”, deixa claro. Este não é, definitivamente, o caso da primeira-dama de Ventura. Lília atribui a “leveza” de suas maldades ao humor do texto de Walcyr Carrasco e ao “clima” dos anos 20 do século passado, que conferem à personagem uma saborosa ambigüidade. “O tom da comédia ameniza o lado ruim dos personagens. Nada fica óbvio”, explica a atriz, completamente fascinada pela face divertida de Bárbara.

P – Como você equilibra humor e vilania na composição da Bárbara?

R – Desde a sinopse, estava claro que a novela era uma grande brincadeira. Em todos os personagens, por piores que sejam, há sempre um traço marcante de humor. E a comicidade sempre ameniza um pouco o tom da pessoa ruim. Eu, particularmente, gosto muito de caminhar entre as duas coisas. É um exercício ótimo, porque é necessário lidar com a verdade absoluta para dominar os momentos em que se é engraçado, rude, severo, mau ou triste. Isso humaniza muito os personagens. Além disso, as pessoas se divertem. E eu acho que, principalmente num horário das seis, se não houver esta preocupação com o entretenimento, perde-se o sentido. Outra coisa que gosto muito é saber que estou no limite. Se for acima, estou exagerando. Se for abaixo, perco o tom. E esta personagem me permite exercitar tudo isso de uma forma fantástica.

P – Foi difícil encontrar este “tom”?

R – Cada um tem um jeito de estudar um personagem. Acho que nada é fácil de ser achado ou conquistado, mas costumo gostar mais das dificuldades que das facilidades. Há coisas que a gente pode ir construindo antes. Tenho de pensar, por exemplo, que é uma novela de época, que a postura é diferente, assim como o jeito, o comportamento, o pensamento, a forma de falar. Isso é uma preocupação, um trabalho que requer tempo. Não encontrei tudo isso de um dia para o outro. E há outras coisas que a gente só encontra mesmo quando vai gravar.

P – Você costuma justificar o comportamento de suas vilãs?

R – Tenho a necessidade de mostrar o que elas são. Se estão fazendo uma maldade curta e grossa, quero mostrar isso. Acho que não pode haver a justificativa, a defesa, porque assim os personagens não movimentam as histórias, fica tudo muito morno. Então, o que é para fazer, eu faço. Mas não preciso ficar todas as cenas sublinhando que ela é uma vilã. É justamente aí que reside a possibilidade de surpreender com as personagens. Logo no início da novela, houve uma cena em que a Bárbara oferecia dinheiro a Ana Francisca para que ela esquecesse o Danilo. Eu optei por fazer uma cara muito suave, porque achei que quanto mais suave ela fosse, mais má pareceria. Minha intenção era que as pessoas se perguntassem: “Como é que pode? Que mulher é esta, que não tem escrúpulos? Que cara-de-pau!”. Se eu chegasse lá com cara de vilã, horrorosa, não provocaria nenhum comentário. Seria só: “Ela é uma vilã”. E ponto.

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