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Lewis Carroll e Fedra na traição de ‘Rainha de Copas’

Foi tudo muito simples e direto. Em 2017, Gustav Lindh já era considerado na Suécia um jovem ator de futuro – um talento promissor. Recebeu o roteiro de Rainha de Copas – empolgou-se. Junto, veio a sugestão de algumas cenas que ele poderia interpretar, e gravar em vídeo, enviando-as à produção. Logo veio um convite para ir a Copenhagen para encontrar as dinamarquesas May el-Touky (diretora) e Trine Dyrholm (atriz), que já estava engajada no projeto. “As duas foram adoráveis, e May terminou por dizer que o papel seria meu. Mas se passou um ano antes que a produção retomasse o contato. Durante todo esse tempo, eu só pensava que ela poderia encontrar outro ator e desistir de mim, mas isso não aconteceu. Fizemos o filme e ele estourou em Sundance, em Toronto. Mas o mais importante, para mim, foi o privilégio de ter conhecido e trabalhado com May e Trine.”

Rainha de Copas estreou na quinta, 12, nos cinemas brasileiros. Gustav conversa com o repórter no anexo do Espaço Itaú Augusta. Veio numa visita relâmpago. Chegou num dia, deu entrevistas na tarde do outro e, no terceiro, já estava embarcando de volta para a Suécia. Nada como ter 24 anos – nenhum sinal de cansaço, mas o olho brilhando de quem está de bem com a vida e consigo mesmo.

O oposto do personagem que, por coincidência, também se chama Gustav. “Quando recebi o roteiro, ele já se chamava assim”, conta. Gustav é um adolescente problemático. A mãe não consegue mais dar conta dele, e Gustav vai morar com o pai, que se casou de novo e tem filhas gêmeas. As meninas o adoram e ele lê para elas Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. A madrasta vira sua Rainha de Copas, mas ela também é Fedra, da tragédia grega, enganando o marido. Terá um tórrido affair com o enteado.

Ele, o garoto que vive criando caso nas escolas, revela sua fragilidade – e mais é melhor não contar. “Vamos evitar o spoiler”, pede Lindh.

Em todo lugar, a surpresa pelo desenvolvimento da trama tem cativado o público. Nada, nem ninguém, é o que parece ser. Guardadas as diferenças de meio social, estamos num universo próximo do de Nelson Rodrigues, dramaturgo que Lindh desconhece. Anne, a personagem de Trine, trabalha com assistência social, protegendo pré-adolescentes das próprias famílias. Mas ela faz o que faz – seduzir o garoto – sem culpa. Abuso? Ela chega a…. Olha o spoiler!

Como Lindh se preparou para o papel? “Fizemos muito laboratório, May, Trine, o roteirista e eu. Desde o início, sabíamos que a cena de sexo seria não apenas necessária, mas essencial. Com imenso profissionalismo, Trine fez o que pôde para me relaxar.” A cena envolve o que parece sexo explícito. Mesmo com risco de decepcionar, Lindh conta que foi usada uma prótese. “Mas foi só por conforto, para evitar constrangimentos”, sorri, meio inocente, como sorriria o próprio Gustav.

Tragédia grega, Carroll, houve muita discussão e preparação para que as referências fizessem sentido, integradas à dramaturgia, e não fossem apenas tiradas de brilho intelectual. As estações ajudam a criar o tempo – e construir o clima dramático. Inverno, no desenlace, primavera/verão – com direito a um belo lago e cenas de banho – para construir a atração. Embora tenha construído um passado para Gustav, Lindh diz que isso só serviu para ele, e em momento algum a diretora pensou que esse passado faria parte da curva dramática.

Ele nunca encarou Gustav como vítima, também se recusa a moralizar a conduta de Anne. “Todo mundo age muito no impulso – desejo, preservação.” O filme está sendo considerado um possível candidato para o Oscar – e concorrente do brasileiro A Vida Invisível, de Karim Aïnouz. “Seria um sonho pisar naquele tapete vermelho com Trine e May”, diz Lindh, que fala um inglês sem sotaque e sonha (acordado) com uma carreira em Londres e Hollywood.

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