Nos anos 1960, um furacão assolou o Brasil, não apenas o cinema brasileiro. Leila, para sempre Diniz. Talvez, para evocar essa mulher, seja necessário chamar as forças da natureza, ou os próprios corpos celestes. Veio como um furacão, passou rápida como um cometa. Nascida em 1945, aos 21 anos protagonizou uma comédias que, como ela, se tornou mítica – Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos Oliveira. Tinha 27 quando aquele acidente de avião a vitimou, em 1972. Não fosse a tragédia, Leila estaria fazendo nesta quarta, 25, 70 anos, uma idade perfeitamente razoável, num país em que a expectativa de vida tem aumentado. Mas Leila não chegou tão longe. Apenas 27 anos!

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Os homens e mulheres de sua geração pensam nela e imediatamente vem a imagem e um som. Maria Alice, que olha de um jeito enviesado para a câmera em Todas as Mulheres, com a música de Gabriel Fauré ao fundo. Lárarará, rarararará.

E logo outra imagem, a de Leila grávida, exibindo a barriga de quase nove meses num biquíni, na praia. E um ruído – a entrevista que ela deu ao Pasquim e que, como as de Maria Bethânia, Lenny Dale e Anselmo Duarte, foi uma sucessão de asteriscos. Leila falava de sexo e dizia palavrões, você só podia imaginar de que jeito ela estava gozando, porque a censura do regime de exceção (civil/militar) estava atenta para defender a família. Dela, o poeta Carlos Drummond de Andrade disse que libertou as mulheres do jugo de sua particular escravidão. Leila teve amantes, marido, uma filha linda (Janaína). Viveu e amou como quis, num Brasil submetido a uma ditadura feroz. Ela não se submetia – a homens nem a instituições.

Hoje ela faria 70 anos. São mais de 40 anos sem Leila, 43!, mas sua lembrança segue indelével. Você pode ver seus filmes, alguns estão disponíveis em DVD, outros na rede (Todas as Mulheres, Edu Coração de Ouro, O Homem Nu – a primeira versão -, A Madona de Cedro, Fome de Amor, Corisco o Diabo Loiro, Os Paqueras, Azyllo Muito Louco, Mãos Vazias, Amor Carnaval e Sonhos). Com sorte, resgatará em algum YouTube da vida trechos de suas novelas (Compro Essa Mulher, O Sheik de Agadir, A Rainha Louca, e só pelos títulos você já vai perceber que a novela brasileira naquela época ainda era mexicana). Leila até cantava – Um Cafuné na Cabeça, Malandro, Eu Quero Até de Macaco, em parceria com Milton Nascimento. Na internet, você encontra a entrevista para o Pasquim. O que Leila dizia? “Todos os cafajestes que conheci eram uns amores de pessoas”, “Nem de amores eu morreria, porque prefiro viver deles”, “Viver intensamente é você chorar, rir, sofrer, participar das coisas, achar a verdade nas coisas que você faz. Encontrar em cada gesto da vida o sentido exato para que acredite nele e sinta intensamente”, “Sempre andei sozinha. Me dou bem comigo mesma”.

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Nada disso é transcendental, mas é. Leila não morreu de amores, mas num acidente aéreo, ela que queria viver a vida plenamente, com intensidade. Para lembrá-la, nesse dia, a BestrBolso lança a terceira edição do livro Toda mulher é meio Leila Diniz, de Mirian Goldenberg, mas talvez você pudesse ler também Trinta e Oito e Meio, de Maria Ribeiro, que não tem nada a ver com Leila, mas é um exemplo de como ela libertou as mulheres brasileiras e como elas ficaram mais soltas para falar de amor, de sexo, de trabalho, de família, de vida. E Maria é cria de Domingos Oliveira, fez um documentário sobre ele. Maria é casada com Caio Blast e na entrevista que deu para o jornal O Estado de S.Paulo no domingo, ele disse que vai interpretar o Domingos jovem e codirigir com ele o filme sobre o famoso cafofo (apartamento) que Domingos tinha em Copacabana, nos anos 1960. Ali, ocorriam festas memoráveis, que não acabavam nunca.

Sexo, drogas e rock’n’roll. Foi no cafofo que o jovem Domingos conheceu e se apaixonou pela professorinha que, à sua maneira, ia fazer a contrarrevolução (dos costumes) no Brasil asfixiado pela ‘Redentora’. Um amigo de Leila, o cineasta Luiz Carlos ‘Bigode’ Lacerda, no 15.º ano de sua morte, fez um filme sobre ela, com o nome dela. Leila Diniz era interpretada por Louise Cardoso. Se o filme de Domingos é sobre a juventude dele, Leila, mesmo ficcionalizada, terá de estar presente. Quem será essa nova Leila? A outra, no imaginário, é eterna naquele sorriso meio triste, olhando para a câmera em Todas as Mulheres do Mundo. Num cinema brasileiro que queria ser revolucionário, Domingos não teve medo de ser (pequeno) burguês, falando de amores. Talvez porque soubesse que Paulo e Maria Alice, seus personagens, interpretados por Paulo José e Leila, podiam não ser revolucionários, mas ela era, na vida. Senão exatamente revolucionária, libertária.

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