As anunciadas mudanças na Lei Rouanet provocam já um acirrado debate no mundo das políticas culturais. Segundo o Ministério da Cultura, serão feitas duas principais mudanças na lei, cuja base é a renúncia fiscal: 1) o percentual de abatimento do Imposto de Renda será flexível e seguirá uma tabela; 2) os projetos serão aprovados por mérito e pertinência, na sistemática de editais de seleção.
Para Yacoff Sarkovas, consultor de patrocínio empresarial, a mudança anunciada significa que não haverá reforma significativa no sistema de financiamento da cultura. “A princípio, me parece que essa reforma significa a desistência desse governo de instaurar um verdadeiro sistema de financiamento público no País”, disse Sarkovas. “Se o dinheiro não é privado, não há porque ele passar pelo caixa privado. O movimento deveria ser inverso: o dinheiro público não deveria passar pelas empresas e o dinheiro das empresas deveria ser desregulamentado”, avalia.
Sarkovas diz que não acredita numa mudança significativa com o projeto do MinC por um motivo simples: a outra lei de estímulo à cultura, a Lei do Audiovisual, não tem modificações anunciadas e, portanto, continuará oferecendo percentuais de até 125% de dedução do Imposto de Renda investido. Assim, se as mudanças na Lei Rouanet fossem radicais e eliminassem a possibilidade de 100% de dedução às empresas (ou seja, sem nenhuma contrapartida de dinheiro próprio), os investidores migrariam todos para o cinema, o que o provocaria “um colapso” no sistema, em suas palavras.
O produtor de teatro e cinema Paulo Pélico discorda dos argumentos de Sarkovas, mas por motivos opostos, e também critica a mudança na lei. “É evidente que sair dos 100% é um erro. A produção cultural não está preparada para a perda da dedução integral. Hoje em dia, nós temos cinco atividades econômicas que têm incentivos fiscais.
“A cultura não é uma área que desperta o interesse espontâneo de investimentos. Tem graves problemas de infra-estrutura técnica, de escoamento do produto e de formação de mão-de-obra especializada”, explica o produtor.
Edemar Cid Ferreira, presidente da Brasil Connects, viu com simpatia as mudanças anunciadas, em especial a queda dos 100% na dedução do Imposto de Renda e os editais de seleção de projetos. “Isso é ótimo. Porque o que a gente quer é que, cada vez mais, a iniciativa privada contribua com seus recursos próprios. Tem de haver incentivo, mas não 100%, porque aí não precisa da lei. As regiões carentes talvez se beneficiem também dessa possibilidade de ter uma dedução maior. E é muito bom que haja uma avaliação qualitativa dos projetos, uma linha curatorial. Há um esforço sadio que motiva as modificações”, diz Ferreira.
“Não tenho nenhum preconceito contra a lei de incentivo, mas não é aceitável que as leis sejam a única base de uma política cultural. Espero que as mudanças venham no sentido de uma democratização do acesso à lei, mas ancorar uma política cultural inteira na legislação de renúncia fiscal é uma loucura” afirma o deputado Vicente Cândido (PT-SP).