Quando Leda Catunda recebeu o convite para montar uma exposição de suas próprias obras em diálogo com algum artista da coleção da Galeria Estação, a sua atração pelo trabalho do pintor baiano Alcides foi imediata. “São telas grandes que ele pintava como pequenas, numa escala original”, elogia a artista. O seu trabalho duplo, curatorial e artístico, na exposição Leda Catunda e Alcides – Onde Estamos e para Onde Vamos, será aberto ao público a partir da noite desta quinta-feira, 14.

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Leda conta que após a escolha de Alcides, artista morto em 2007, para o projeto, começou a perceber cada vez mais semelhanças entre seus trabalhos, da palheta de cores às inspirações. “Ele tinha uma inspiração moderna, um anseio. No meu trabalho, tenho uma saudade moderna.” Para a artista-curadora, a obra de Alcides, que pintava principalmente o desenvolvimento industrial que via em sua época, como aviões, automóveis e fábricas, flutuava entre a abstração e uma figuração pop.

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Em muitas das obras, como em Albatroz (1996), ele pintava pontos, que remetiam ao trabalho de pop arte de nomes como Roy Lichtenstein. Nas 10 obras de Alcides selecionadas para a exposição, é raro ver espaços vazios sem os pontos. “Ele não era desconectado desse mundo. É um fundo constante, uma vontade de usar esse símbolo da modernidade.” De acordo com a Galeria Estação, que comercializa o trabalho do pintor no Brasil, muitas obras de Alcides são adquiridas por colecionadores norte-americanos, que consideram, de fato, seus quadros como de pop arte.

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Nascido em Rui Barbosa, na Bahia, em 1932, Alcides Pereira dos Santos se mudou na década de 1950 para Mato Grosso. Nessa época, pintou casas, paisagens, jardins e animais. Foi ao mudar-se para São Paulo na década de 1990, que passou a se dedicar aos modelos de automóveis, aeronaves, navios, indústrias e paisagens urbanas. A natureza, porém, continuou presente no seu trabalho, como a exposição traz nos quadros A Plantação e Planalto, ambos de 1998, que mostram paisagens naturais sob o olhar e a exploração do homem. “Temos um maravilhamento com a tecnologia, mas ainda continuamos num planeta cheio de água, mata, bichos”, analisa Catunda. “Esse aspecto não chega para todo o mundo.”

Metáforas

Se a obra de Alcides, em grande parte, retrata o meio de transporte, a de Leda Catunda, por outro lado, se refere aos caminhos. Para a mostra, a artista criou duas obras, Pista 1 e Pista 2, pinturas-objeto, recortadas em madeira, que trazem estradas, rios e lagos, alguns elementos simbólicos que abrigam as representações de Alcides e que já estavam presentes no trabalho de Catunda anteriormente. Em seu texto curatorial, ela escreve sobre o seu “carinho especial pela organização das coisas da vida”, como “a estrada, a montanha, a casinha e o laguinho” – muitas das obras selecionadas por Leda para a mostra, aliás, contêm lagos. “Meus amigos até brincam, ‘lago de novo’?”

Para a artista-curadora, tanto os temas das obras de Alcides quanto os das suas próprias são metáforas para a vida. “Estradas, veículos e viagens fazem pensar numa sugestão metafórica de mudança”, explica ainda em seu texto curatorial. “Deslocamento de um ponto a outro, sair de uma situação para outra nova.” A artista, que atualmente se prepara para apresentar trabalhos inéditos na Bienal de São Paulo, tem ao todo 20 trabalhos na exposição, ao lado de Alcides, entre pinturas, gravuras, colagens e aquarelas. Apesar de já realizar curadorias desde a década de 1980, Catunda define como “curiosa”, porém, a experiência de trabalhar com suas próprias obras em diálogo com as de um outro artista.

LEDA CATUNDA E ALCIDES

Galeria Estação. R. Ferreira de Araújo, 625. Tel. 3813-7253. 2ª a 6ª, 11 às 19h. Sáb. e dom., 11 às 15h. Gratuito. Até 28/7.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.