Nascida e criada na Bela Vista, famoso reduto italiano de São Paulo, mais conhecido como Bexiga, Laura Cardoso conheceu de perto a vida de mulheres como Madalena, sua personagem em “Esperança”. A atriz, que se inspirou nas próprias lembranças para compor a sofrida moradora do cortiço, não se cansa de agradecer ao autor Benedito Ruy Barbosa a chance de fazer arte com sua experiência de vida.
“Conheço os modos e os sonhos dessas mulheres, a vida difícil no cortiço, a intensidade, os amores e desamores dos imigrantes”, destaca, emocionada. A simpatia da atriz pela personagem não é abalada nem mesmo pelo ritmo estafante das gravações da novela, cujo atraso motivou o afastamento temporário do autor. “Não é a primeira vez que isso acontece. Passei por isso na Tupi e já estou acostumada”, minimiza Laura, do alto de seus mais de 50 anos de carreira.
É com a mesma naturalidade que ela encara a entrada de Walcyr Carrasco na trama. “O único perigo é o perfil dos personagens ser alterado, mas não acredito que o Walcyr vá fazer isso”, aposta a atriz, que integrou o elenco da última novela do autor, “A Padroeira”, de 2001. De lá para cá, a atriz participou do longa “Copacabana”, de Carla Camuratti, e da peça “Laranja Mecânica”. O espetáculo, de Paulo Afonso de Lima, esteve em cartaz até o mês passado no Rio de Janeiro e deve reestrear em fevereiro de 2003, em São Paulo.
P
– Como você tem reagido ao ritmo estafante das gravações?R
– Já estou acostumada. Não é a primeira vez que isso acontece. Na Tupi, muitos autores também atrasavam os capítulos. A gente gravava num dia e ia ao ar no outro. O autor é humano, tem lá os problemas dele. E escrever é uma arte muito difícil. Acho que a imprensa, às vezes, faz um “carnaval” maior do que é. Lógico que há um pouco de estresse, porque a gente fica com medo de não dar conta, de não conseguir decorar ou fazer o nosso trabalho do modo mais perfeito possível. Mas, no final, sempre dá certo.P
– Já deu para sentir as mudanças que Walcyr Carrasco vai promover na trama?R
– O trabalho dele está muito no início. Só espero que não mude o perfil dos personagens, porque aí bagunça tudo. Quando entra um autor novo, ele não sabe o rumo que a história deve tomar. Ele entra com a visão dele e isso é perigoso. Mas acredito que o Walcyr vá dar continuidade ao que o Benedito fez.P
– Você costuma estar sempre em contato com os autores das tramas de que participa?R
– Não, sou daquelas que nunca telefonam para o autor. Acho que não é bom, porque interfere no que ele está imaginando. A gente deve criar com base no que o texto dá. Só acho válido o contato com o autor quando você tem dificuldade de entender o que ele quer, ou quando ele não entende o que você propõe. O trabalho do ator deve ser como o do leitor de um livro: ele lê e imagina, criando suas próprias interpretações.P
– O que mudou no trabalho do ator desde que você começou?R
– Acho que hoje o trabalho do ator é bem mais fácil. Antes do “videotape”, era tudo muito artesanal, tinha aquela euforia de saber se a gente ia acertar ou errar, ganhar ou perder. Agora, é só o acerto. Mesmo se você erra, eles consertam: fazem de novo, cortam, mexem na luz, no som. É tudo muito técnico e isso não é bom para quem está começando. A gente só aprende ralando, caindo, levantando… Por isso, é que hoje se vê tanta gente que está aí porque quer mostrar um corpinho, quer aparecer, mas “não faz parte da tribo”.P
– Tanto na novela quanto na peça ?Laranja Mecânica?, você contracena com jovens atores. Como é a sua relação com eles?R
– Esse confronto de uma geração com a outra é sempre muito bom. É bom porque é uma troca. Troco o que eu sei com o que eles já sabem, com o que ainda estão aprendendo. Mas isso quando eles realmente têm talento. Quando não têm ou quando estão ali atrás de uma vitrine, não tenho paciência. Eu tenho paciência com pessoas como as que têm contracenado comigo: gente que tem valor, que se interessa pela carreira, que não está ali só de passagem, gente que veio para ficar e quer fazer história.