Lapeano ou lapiano

Atendendo solicitação verbal do ex-prefeito da Lapa, Sérgio Leone, incumbiu-nos o presidente da Academia Paranaense de Letras, Túlio Vargas, de exarar parecer sobre qual a forma correta do adjetivo pátrio de Lapa, município do Paraná – lapeano ou lapiano – tendo em vista a perplexidade dos falantes e a dúvida reinante entre os escritores, que ora escrevem de uma forma, ora de outra.

Preliminarmente, há de se esclarecer que a evolução da língua acontece de forma gradual e irreversível, apesar do empenho dos gramáticos e dos filólogos. Estes retardam, ou tentam retardar, a evolução, apontando a norma culta a ser empregada em cada caso, evitando a respectiva deterioração.

É preciso também não esquecer que a evolução é inconsciente. O falante não se dá conta do que está acontecendo, enquanto se operam, em determinado momento histórico, as alterações. Aí está a razão por que nem tudo se pode explicar em matéria de evolução fonética da língua. Por exemplo, não se sabe por que o falante optou por curitibano, em vez de curitibense; sergipano, em vez de sergipense; alagoano, em vez de alagoense; guaratubano, em vez de guaratubense. Vejam-se, ainda: campineiro (Campinas); coimbrão, coimbrês, coimbrense (Coimbra); paulista, paulistano (São Paulo); bracarense (Braga); corso (Córsega) etc.

Por último, não se espere, no presente caso, por mais frustrante que possa parecer, uma resposta conclusiva. É que a lingüística não é uma ciência exata, como a matemática.

Pois bem. A consulta envolve matéria referente a adjetivos pátrios, também chamados gentílicos ou étnicos. Em língua portuguesa, os sufixos que formam tais adjetivos são muito arbitrários. Os motivos que podem explicar essas opções são os mais diversos. Podem ser de ordem psicológica, modismos, eufonia, meios de comunicação (rádio, televisão, jornal), pessoas influentes do momento, alguma autoridade em língua portuguesa, etc. De forma incisiva, entra na questão a origem da palavra, sua etimologia.

Quando, na internet, se acessa o google com a palavra-chave lapiano, logo aparece a observação: ?Você, certamente, quer dizer lapeano?, sugerindo, assim, ser esta (lapeano) a grafia correta. De qualquer modo, ali são registradas ambas as formas: lapiano (com i) e lapeano (com e).

A primeira pergunta que nos ocorre é: por que lapeano (ou lapiano), e não lapense?

Certamente, lapiano e lapeano são formas divergentes de lapense, que já designa o natural de Bom Jesus da Lapa (BA), como também o de São José da Lapa (MG). Assim, para evitar confusão, o falante, inconscientemente, deve ter optado por um adjetivo gentílico diverso (lapiano, lapeano) para fugir ao mesmismo, lapense. Mas nem sempre se consegue encontrar um termo diferente para designar o lugar de origem, tal como acontece com o adjetivo pátrio ?são-joseense?, designativo de, no mínimo, treze localidades espalhadas pelo Brasil inteiro: São José dos Pinhais (PR), São José dos Campos (SP), São José da Vitória (BA) etc.

Explica-se também a oscilação da pronúncia, ora lapeano, ora lapiano, pelo fato de que o e, em determinadas circunstâncias, na língua portuguesa, é pronunciado i, assim como o o, em alguns casos, dentro de certos contextos, é pronunciado u. Tome-se o adjetivo acreano, que se pronuncia normalmente acriano e coexiste com a forma preferencial acriano. Ninguém diz A-CRE-A-NO, mesmo quando assim é grafado, a não ser alguns conterrâneos do Nordeste.

Veja-se a pronúncia destas outras palavras: prateado (= pratiado), penteado (=pentiado), enteado (=entiado). Observe-se, ainda, esta outra: anteontem (=antiontem).

Outro argumento que não nos parece de todo desarrasoado é o de que, no caso de lapiano (com i), o falante tenha-se reportado ao étimo lapide, que, em latim, significa pedra. Não se pode esquecer que, em português, existe o substantivo comum lapa, que significa pedra ou grande pedra ou gruta. Corrente contrária assenta-se no fato de que a evolução quem faz é o homem simples do povo, que não teria embasamento cultural para fazer alusão ao termo latino. Mas, o argumento não se sustenta, na medida em que nos lembramos de que a língua também se compõe de termos eruditos e semi-eruditos, aqueles que não se sujeitam, ou se sujeitam apenas em parte, às mudanças relativas às normas da evolução, sendo, simplesmente, transplantados para nossa língua, feitas as adaptações necessárias.

Outro fato que nos chama a atenção é a existência do substantivo feminino lapiana que, segundo os dicionaristas, é uma espécie de faca de ponta, também conhecida como lambedeira. É muito provável que esse substantivo lapiana (faca) por ser grafado com i, deve ter influenciado a formação do adjetivo gentílico lapiano, também com i.

De tudo o que foi dito, o que se deve concluir? Afinal, qual a forma correta: lapiano ou lapeano?

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, consagra a forma lapiano (com i).

No mesmo sentido, Houaiss afirma que, desde 1911, vem impondo-se, na língua culta, a regra segundo a qual só se escreverá eano quando a sílaba tônica do derivante for e tônico ou ditongo tônico com base em e ou, em que, mesmo átono, o e for seguido de vogal átona. Exemplos: arqueano (Arqueu), daumeano (Daomé), egeano (Egeu), galileano (Galileu), lineano (Lineu). Os demais serão sempre em iano: acriano (Acre), ciceroniano (Cícero), freudiano (Freud), Camiliano (Camilo) etc. Em obediência a essa regra, teríamos de escrever lapiano (com ?i?).

De qualquer forma, quem elabora a evolução, quem faz a língua, contrariando, às vezes, a forma proposta pelos gramáticos e filólogos, é o falante. E este, no caso específico, ainda não se decidiu. A oscilação persiste. Desse modo, quanto ao assunto proposto, não há como se estabelecer o certo ou errado. Só o futuro dirá se a forma predominante será lapiano (com i) ou lapeano (com e), muito embora optemos por LAPIANO (com i), considerada a mais apropriada. A própria autoridade competente poderá, futuramente, determinar qual a forma oficial.

É nosso parecer, salvo melhor juízo.

Albino de Brito Freire, juiz aposentado, é da Academia Paranaense de Letras; Leopoldo Scherner é da Academia Paranaense de Letras e ex-professor titular da PUCPR.

 

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