“La Jaula de Oro”, de Diego Quemada-Díez, poderia ser mais um exemplar do drama da ininterrupta migração latina em direção aos Estados Unidos. Não é. Muda o ângulo de visão do espectador através da história invulgar de três adolescentes guatemaltecos que, como tantos outros, buscam a terra da promissão ao norte do Rio Grande.
O filme conta as histórias de Juan (Brandon López), Chauk (Rodolfo Dominguez) e Sara (Karen Martinez), que tentam uma aventura que sabem muito perigosa. Tanto assim que Sara se traveste de menino, pois conhece os riscos particulares que a estrada rumo ao norte reserva aos migrantes do sexo feminino. Juan parece o mais preparado dos três, mesmo porque Sara é mulher e Chauk, que é índio, de espanhol não articula um reles buenos días.
Trabalhado num gênero fotográfico que o faz parecer um terrível documentário, “La Jaula de Oro” funciona num registro jornalístico um tanto antiquado, quando este trabalhava com os termos da urgência e da paixão.
Além disso, os garotos passaram pelas mãos de Fátima Toledo, a mais conhecida preparadora de elenco do Brasil, famosa por transformar amadores, que nunca haviam encarado uma câmera, em atores profissionais. Bem, com esse tipo de treinamento, a vantagem é dupla, porque iniciantes passam a trabalhar como profissionais, sem perder a aura de naturalidade que trazem da inexperiência.
Esse é o punch de, por exemplo, “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, com seu elenco até então desconhecido. E, certamente, também é a força mais notória, e notável, de “La Jaula de Oro”.
Além do mais, Quemada-Díez usa como figurantes os próprios trabalhadores migrantes que, com seus meios precários, buscam atingir o México e, em seguida, passar pela supervigiada fronteira dos Estados Unidos. A escalação desses personagens em seus próprios papéis dá às cenas em que aparecem a aura de verdade que talvez não pudesse ser conseguida de outra forma. Todo o drama das migrações por razões econômicas se estampa naqueles rostos – e naqueles corpos – amontoados em cima de um trem precário. São os mesmos rostos dos africanos que tentam atingir a Europa em barcos clandestinos no Mediterrâneo. Os mesmos flagrados por Sebastião Salgado em suas fotos do álbum “Migrações”. Os mesmos rostos, duros, sofridos, em que, por paradoxo, esperança e desespero se mesclam.
Completando o projeto, o diretor mexicano imagina uma história sem qualquer tipo de contemplação, romantismo ou atenuação dramática. A vida é aquilo que é. O espectador terá de ver por si mesmo como se desdobra e termina essa trama às vezes tão amparada no registro real que parece mesmo decalcada de casos verídicos. Mas pode-se dizer, de antemão, que o diretor evita todas as ciladas comerciais que o levaria a adocicar relatos que dificilmente terminam num mar de rosas. Enfrenta, corajosamente, as consequências das premissas que propõe sobre a migração forçada de jovens inexperientes em busca de sonhos ilusórios.
Nesse registro de realismo extremo – não do brutalismo típico do cinema de um Iñárritu, por exemplo – Quemada-Díez faz o que se poderia chamar de obra política.
Não por discutir relações de força desiguais em termos de países economicamente tão distantes entre si. Mas essas tensões ocupam o pano de fundo da trama, sem que os personagens, vítimas dessa assimetria, pareçam percebê-la. Sem conceder a fantasias de sucesso individual, Quemada-Díez traça o destino de perdedores por antecipação. Esses meninos apenas se deixam agir por forças infinitamente maiores que suas pequenas vidas e, como se sabe, vida de gente pobre não costuma ter muito valor de mercado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.