Mais até do que Matteo Garrone de Reality, Paolo Sorrentino é o autor que faz diferença no cinema italiano atual. Sorrentino tem vindo regularmente a Cannes desde As Consequências do Amor, de 2004. O Amigo da Família, O Divo, Aqui É o Meu Lugar. O último é quase a exceção em sua carreira – além de ser um filme ‘estrangeiro’, rodado nos EUA, é interpretado por Sean Penn. No restante de sua obra, Sorrentino usa sempre Toni Servillo, que deve ser contado nos dedos de uma só mão como um dos maiores atores contemporâneos.
Sorrentino está de novo na competição com La Grande Bellezza. O filme desconcerta, causa estranhamento, mas uma vez que o espectador viaja em suas imagens as coisas começam a fazer sentido e Bellezza vira uma experiência enriquecedora. Sorrentino, de alguma forma, fez a sua versão de A Doce Vida para os anos 2000. Servillo faz um escritor que se converte em jornalista, como Marcello Mastroianni no clássico de Federico Fellini.
Ele escreveu um único livro – considerado grande. Virou celebridade, frequenta os ricos e poderosos. E faz entrevistas para uma revista de prestígio. O filme abre-se numa festa e as figuras são tão bizarras que parecem saídas de algum painel felliniano sobre a decadência do mundo contemporâneo. Uma festa no início, outra no final, um cardeal, um suicídio, um strip-tease. Sorrentino parece ter-se aplicado em reinventar Fellini.
Dito assim, parece que a reflexão de La Grande Bellezza é de segunda mão. Não é. Há uma angústia genuína, um cinismo devorador – e Servillo é, como sempre, extraordinário. E há esse personagem de intelectual suicida que expressa a malaise, fazendo a ponte possível entre Albert Camus e o tempo perdido de Marcel Proust. Um regalo no filme é a presença de Serena Grandi, estrela dos filmes, no limite da pornografia, de Tinto Brass.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.