Depois de 13 anos morando em São Paulo, o artista goiano Kboco resolveu voltar, há dois, para o seu Estado natal e montar um ateliê na cidade de Cavalcante, em meio à Chapada dos Veadeiros. Mesmo reconhecendo a importância do mercado na cidade grande, ele percebeu que seu trabalho estava perdendo espontaneidade, o que serviu como um alerta.

continua após a publicidade

“Quando estava com um ateliê nos Jardins, tudo aquilo era mais produto, a mercadoria vinha primeiro”, relembra o artista em entrevista ao Estado, na montagem de sua nova exposição, Sertão Expandido, no Museu Afro Brasil, em São Paulo, que será aberta ao público neste sábado, 23. É a primeira mostra individual da obra de Kboco em cinco anos, desde que resolveu começar o processo de distanciamento pessoal dos grandes centros urbanos.

continua após a publicidade

“O mercado é muito bom, mas chega uma hora que vira uma prisão, você fica numa zona de conforto. Como passava a maior parte do tempo criando sozinho no estúdio, não aproveitava a vida cosmopolita da cidade”, ele explica. “Fiquei mais sensível para coisas que já gostava, como a terra, planta e a alimentação.” Com suas viagens pelo mundo, Kboco percebeu o valor do regional. “O mundo inteiro está usando a mesma roupa, comendo a mesma comida. No meu Estado tem um bioma que só existe lá.”

continua após a publicidade

Kboco ficou conhecido no mundo da arte contemporânea por suas influências urbanas, da cultura do hip-hop e do skate, com tinta acrílica. Mesmo com a mudança para o interior, o artista acredita que essas influências não vão desaparecer do seu trabalho. Ele afirma que não mudou para se isolar, e sim para experimentar novas técnicas e retomar a espontaneidade. “É uma questão da multidisciplinaridade, o que significa atuar e vivenciar vários campos do conhecimento, como alguém urbano da cidade passa férias na praia ou na natureza”, compara. “Agora é o contrário, vivo na natureza e saio para ‘cosmopolitar’ na cidade grande.”

A multidisciplinaridade, como o próprio artista explica, tem a ver com o fato de que Kboco usa técnicas e influências variadas. E a exposição no Museu Afro é uma representação disso. A mostra reúne trabalhos recentes do goiano, que, segundo ele, servem como ruptura, num caminho de aperfeiçoamento da sua nova arte rural. “Como tem muita informação, vai ter hora em que vou atirar para todos os lados”, brinca. “Mas tenho que lapidar, por isso é uma ruptura. O que tenho para falar ainda não está 100% equalizado.”

São pinturas em acrílico, assemblages e esculturas. A diversidade vem também nas cores e materiais – o artista dá uma atenção especial aos papéis, vindos de todo o mundo, e utiliza selos e até mesmo embalagens de sabonete. Na exposição, o artista faz também algumas intervenções. Uma escada da sala, no prédio projetado por Oscar Niemeyer, ganha novas cores. Kboco, inclusive, não esconde a animação de trabalhar em cima da obra do gênio da arquitetura. O artista selecionou ainda diversos objetos que encontrou no museu e no Parque do Ibirapuera. A exposição só fica pronta com a colaboração da própria instituição que a abriga. É algo, inclusive, que ele pretende trabalhar melhor no futuro.

Por conta de tanta diversidade em seu trabalho, apesar de suas principais influências, ele foge do rótulo de artista urbano. “Quando você trabalha com a multidisciplinaridade, mais de uma técnica e uma visão, sempre vai ter essa questão”, ele acredita. “Quando tentam me rotular, sempre dá algum problema. Pegam por um lado, mas deixam escapar por outro. Mas a função do artista é essa, tem de tentar romper padrões.”

Para a curadora da exposição, Maria Hirszman, mesmo com a grande mudança em sua vida, Kboco mantém sua preocupação com o ecletismo e o preciosismo da forma. A mostra, escreve ela em seu texto, “demonstra sua capacidade de gerar novos sentidos a partir da contraposição de diferentes referências”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.