Uma decisão inédita de um tribunal brasileiro acaba de permitir que uma biografia não autorizada pelos herdeiros do biografado seja lançada. Sinfonia Minas Gerais – A Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa, de autoria de Alaor Barbosa, que conta a história do escritor João Guimarães Rosa (1908 – 1967), havia sido retirado das livrarias em 2008, quando a Justiça acatou um pedido de Vilma Guimarães Rosa, filha do poeta. Além de ser contra o livro que não havia autorizado, Vilma acusava a obra de possuir trechos plagiados de sua obra Relembramentos: João Guimarães, Meu Pai.

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“Este é um livro que ela chama de biografia, mas que traz documentos, cartas, discursos de Guimarães”, conta Barbosa ao jornal O Estado de S.Paulo. Ele diz que usou o conteúdo de tais trechos em seu livro, mas em quantidade menor do que a apontada por Vilma. “Além do mais, são trechos que não são da autoria dela.” O escritório de advogados que defende Vilma, Dain Gandelman e Lace Brandão Advogados Associados, foi procurado pela reportagem, mas não retornou aos pedidos de entrevista.

O acórdão de 38 páginas que tem como relatora a desembargadora Elisabete Filizzola desconstrói as acusações da herdeira ponto a ponto. Ao abordar as colocações de que Barbosa teria investido em uma imagem de que Guimarães era antipatriótico, a relatora considera: “Veem imputação de ‘antipatriotismo’ ao renomado escritor, por dizer o biógrafo: ‘Nunca me deparei, nos textos de Guimarães Rosa, com alguma preocupação com o presente e o futuro do Brasil’.

Ocorre que as próprias recorrentes assinalam que ‘durante sua vida, João Guimarães Rosa sempre optou pela discrição, tendo preferido evitar entrevistas sobre sua vida privada e posições políticas’, o que, como se nota, confirma, com cirúrgica precisão, exatamente o que asseverara a biografia em tela. Até porque, obviamente, não se confunde com ‘antipatriotismo’ a conduta apenas reservada com relação a ideologias, bandeiras políticas etc.”

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A relatora defendendo não só a liberdade de expressão como a própria opinião dos biógrafos. “Não colhe a assertiva de que ‘as conjecturas do biógrafo seriam opinativas, inconsistentes, desprovidas de fundamento, e, acima de tudo, ofensivas, causando evidente dano moral ao escritor e à sua família’ (como diz a acusação). Aliás, ‘opinativas’ elas até podem ser, e mal algum há nisso, mormente por estar claríssimo nas passagens citadas de quem são as opiniões.”

Daniel Campello Queiroz, advogado de Barbosa, diz que a decisão pode levar a movimento de novas decisões judiciais favoráveis a biografias não autorizadas. “Isso tudo oferece caminhos interessantes por onde os tribunais devem caminhar.”

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Depois de declarações de Vilma consideradas caluniosas contra sua conduta, Barbosa entrou na Justiça por danos morais contra a herdeira. A sentença favorável ao escritor determinou que Vilma pague, segundo Barbosa, R$ 30 mil. “Ela poderia recorrer, mas perdeu o prazo da apelação. E eu pedi que a indenização seja aumentada para R$ 120 mil”.

Alaor Barbosa, contudo, diz que neste momento não pensa em recolocar a biografia de Guimarães Rosa nas livrarias. “Eu teria que retirar partes do livro por questões pessoais, por minha decisão. São as citações que faço ao livro dela (de Vilma) – que na verdade são de terceiros – mas que eu retiraria por um motivo moral. Não sei se quero mais mexer com isso”, diz o autor de 74 anos, que passou cinco pesquisando sobre a vida do escritor. “Toda essa minha luta foi pelo princípio da liberdade da criação intelectual, que é um princípio universal. Eu já consegui minha vitória.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.