José Roberto Aguilar é um artista histórico, multimídia. Pintor, escultor, performer, foi pioneiro da videoarte no Brasil e integrou com Jorge Mautner e José Agripino de Paula o movimento Kaos, nos anos 1950. Ambos, Mautner e Agripino, fizeram filmes. Faltava Aguilar. Agora, não falta mais. Estreia nesta quinta-feira, 30, Anna K, o longa que Aguilar fez com Leona Cavalli fez no duplo papel de uma garota brasileira e do ícone da literatura russa Anna Karenina, a personagem do romance de Leon Tolstoi.
Anna K concretiza a realização de um sonho antigo de Aguilar. O roteiro começou a surgir há 12 anos, depois que ele foi ao tradutor, escritor e ensaísta Boris Schnaiderman e disse ao mestre que queria aprender russo para mergulhar na obra dos grandes poetas. O roteiro demorou anos, mas ficou pronto em 2008. A montagem tomou quase três anos. Mais que um biscoito fino, na tradição dos modernistas, é um biscoito raro, que não se assemelha a nada que você tenha visto no cinema brasileiro recentemente.
Uma parcela do público poderá ser atraída para ver a experimentação (transcriação?), em que ressalta o gosto do artista pela multiplicidade de signos e códigos. A maioria poderá se sentir intimidada. Ninguém é mais crítico que o próprio Aguilar – “Imagine, só o fato de o filme estar estreando já é um milagre.” Na verdade, esse filme tem estado no seu imaginário desde que, garoto, aprendeu a amar os filmes na filmoteca do pai. Clássicos como No Tempo das Diligências, de John Ford, e Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, fizeram parte da sua infância e juventude. Aguilar sempre amou as imagens em movimento. Sempre amou a literatura russa.
‘Imagine’ – ele diz, de novo – ‘um filme sobre uma garota brasileira que quer ser personagem da literatura russa. Isso não tem base social, é a mais pura alienação’, reconhece. Anna K foi recusado por um monte de festivais brasileiros. Aguilar entende. Não guarda mágoas, até porque nesse momento vive uma espécie de exaltação. Seu filme, afinal, está estreando. “A vocação de Anna K era ficar na gaveta”, diz.
Na trama, professor de literatura russa é chamado para investigar (resolver?) o caso da garota que sonha ser Anna Karenina. O próprio Boris Schnaiderman o adverte sobre o poder de sedução e persuasão que faz com que a garota vire Anna K diante dos olhos do professor. É até constrangedor dizer isso, mas o ator que faz o papel, um russo de verdade, não dá conta do personagem. Em compensação, Leona Cavalli é “uma grande dádiva, um banquete”, como a define o diretor. E é verdade.
Dá para ficar só olhando Leona e as experimentações visuais de Aguilar e seu diretor de fotografia, o grande Aloysio Raulino, morto em 2013. Certas imagens – a diluição de pigmentos de cor na água – saem diretamente de experiências de videoarte de Aguilar, que, em 2006, participou de uma exposição na Suíça com piscinas nas quais quantidades de tinta eram lançadas sobre uma modelo, na água. Por desequilibrado que seja, Anna K possui fragmentos de grande beleza.
Aloysio Raulino, experimentador, ‘meu irmão’
Para José Roberto Aguilar, Aloysio Raulino, que assina a fotografia de Anna K, “foi meu irmão”. Ele não está seguro de que seja a última fotografia de Raulino. “De longa, creio que é, mas acho que ele fez algum curta, depois.”
Artista dado à experimentação – dramática e visual -, Raulino embarcou na viagem de Aguilar, que incorporou ao filme parte, ou muito, do que havia feito na videoarte e na chamada ‘action painting.’ Existem momentos de pura abstração visual, em que a cor predomina para provocar sensações.
Aloysio morreu há quase dois anos, em 18 de maio de 2013. Formado na primeira turma da ECA/USP, presidiu a ABD e a Associação Paulista de Cineasta. Fez curtas e um único longa, Noites Paraguais, em 1982, que definia como “narrativa de caráter poético-tragicômico inspirada na origem pré-colonial das culturas do Brasil e do Paraguai”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.