Jean-Luc Godard forneceu ao 69.º festival seu cartaz – uma imagem emblemática retirada do talvez mais belo e ‘clássico’ de seus filmes, O Desprezo, de 1963. Era natural que o Festival de Cannes retribuísse. Desde 2004, quando se iniciou a seção Cannes Classics, é a primeira vez que um filme do mais revolucionário dos autores da nouvelle vague passa em versão restaurada. Masculino Feminino é de 1965. Pode até nem ser um grande Godard, mas é típico do diretor. No fim, um letreiro adverte que poderia se chamar “Filhos de Marx e da Coca-Cola”. É incrível como, mais de 50 anos depois, Godard ainda continua mais novo e ousado que quase tudo o que se faz no cinema atual.

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Foi um belo começo para Cannes Classics deste ano, que, à noite, mostrou a versão restaurada de Retorno a Howards End. Vieram o diretor James Ivory e a atriz (estrela?) Vanessa Redgrave. Foram recebidos em respeitoso silêncio. E, depois, aplaudidos com entusiasmo – ela, principalmente. Comparativamente, Julia Roberts e George Clooney provocaram verdadeiro frenesi. Vieram para a première de Money Monster, Jogo do Dinheiro, que no Brasil deve estrear em 26/5. Quarenta anos depois de sua explosão como estrela mirim em Taxi Driver, de Martin Scorsese – Palma de Ouro de 1976 -, Jodie Foster veio apresentar, fora de concurso, seu quarto filme como diretora. É um thriller. Um homem invade um estúdio de TV e toma como refém o guru econômico cujas receitas seguiu, e acabou na miséria.

Um breve interlúdio – com medo de atentado, Cannes nunca esteve mais vigiada. O próprio ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, havia prometido “uma mobilização excepcional”. Pelotões do Exército, centenas de policiais e 400 agentes da segurança nacional foram mobilizados para enfrentar o maior risco que o festival enfrenta em sua história de 70 anos. Julia Roberts, cujo filme trata de terrorismo, disse que não se sente insegura. “Desde que cheguei, recebo em toda parte um carinho imenso. É minha primeira vez aqui e está sendo especial.” Clooney, entertainer como sempre, foi grave por um momento. “Não teremos uma presidência Donald Trump porque a América não pode ficar refém de um homem ofensivo com mulheres e imigrantes. Não é justo que tenhamos medo.”

Godard, Jodie Foster. Na competição, as coisas esquentaram imediatamente com os dois primeiros filmes. Anos depois de (re)colocar o cinema romeno no mapa com A Morte do Senhor Lazarescu, Cristi Puiu está de volta, e agora na disputa pela Palma de Ouro, com Sieranevada. Lazarescu discutia a falência do sistema de saúde como uma herança maldita do comunismo (e da ditadura de Ceausescu). O novo filme segue com a ideia de uma sociedade enferma. Uma família reúne-se para homenagear o patriarca, que morreu anos atrás. Tempo real, câmera parada – no meio de um corredor, que se abre para diversos espaços. Cozinha, banheiro, sala de jantar, quarto. Lavagem de roupa suja, discussões sobre o terrorismo do Estado – a reunião ocorre três dias depois do ataque a Charlie Hebdo, em Paris. Rigoroso e impressionante, esse Cristi Puiu.

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Na sequência, veio Alain Guiraudie, que Cahiers du Cinéma define como um dos excêntricos (com Bruno Dumont) do cinema francês. Os dois concorrem à Palma, Guiraudie com Rester Verticale. Seu novo filme prossegue em parte com o visceral Um Estranho no Lago. Um filme queer, não gay, segundo o diretor. Um homem – um roteirista de cinema – revela sua fascinação por outros homens, com quem eventualmente faz sexo, mas se envolve com uma camponesa, que lhe dá um filho. Boa parte do filme trata do esforço dele para manter o bebê. Léo, é seu nome, também é atraído por lobos (os animais). Eles irrompem na paisagem rural. Em face dos lobos do mundo, é preciso manter-se na vertical, de pé, sem mostrar medo. O novo Guiraudie é muito forte.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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