A Amazônia, devastada, não tem mais condições de abrigar os kaajapukugi, membros de uma tribo isolada e próxima da extinção. Para evitar isso, eles devem ser transferidos para o México, onde serão recebidos como refugiados políticos. Os preparativos da missão são acompanhados com atenção pelo mundo, também comovido com os problemas que envolvem uma expedição espacial chinesa, cujo paradeiro, muitas vezes, torna-se desconhecido. Apesar de refletir com precisão problemas modernos, essa trama fictícia surgiu antes de explodir o drama das queimadas amazônicas. “O primeiro capítulo nasceu de um conto publicado pela revista Granta”, conta seu autor, Joca Reiners Terron. “Depois, continuei a imaginar o prosseguimento da história.”

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Resultou, portanto, em A Morte e o Meteoro, romance recém lançado pela editora Todavia e cuja complexidade inicial torna-se aparente à medida que o leitor se apropria da trama, que se passa em um futuro não muito distante. Para isso, Terron criou todo um ecossistema ficcional, tendo os índios kaajapukugi como ponto de partida. Pouco se sabe sobre eles e as informações mais relevantes foram coletadas por um sertanista, Boaventura, cuja ambição em ajudá-los se confunde com a resolução de problemas pessoais, uma mistura que se revela, muitas vezes, prejudicial.

Boaventura é um dos dois pilares do romance – o outro é um colega indigenista encarregado de completar a transferência dos índios para o México, depois da morte misteriosa de Boaventura. Ambos acabam fascinados pelo clima místico que marca a vida dos kaajapukugi, que inclui desde insetos alucinógenos a uma crença em um espírito do mal, que vai ajudar a dar sentido para a história, ao seu final. Tradutor renomado, organizador de importantes coletâneas e coleções de literatura latino-americana, Terron firma-se, a cada livro, também como um sólido ficcionista. Sobre esse novo trabalho, ele respondeu por e-mail essas questões.

O livro tem uma estrutura de romance policial, com pistas falsas. Como foi a construção desse romance?

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Foi um romance não planejado, ao contrário dos anteriores. Surgiu num jorro de raiva e urgência causado por minha exasperação com a atualidade. A revista Granta em língua portuguesa me pediu um conto para sua edição de número 3, cujo tema era “futuro”. O primeiro capítulo do romance é o conto que a revista publicou em abril. Depois de terminar o conto, porém, continuei a imaginar o prosseguimento da história, motivado pelos ataques contra populações indígenas em todo o Brasil, estimulados pelo atual governo. Infelizmente, a história também continuou na realidade. Às vezes, a intuição ficcional coincide tristemente com o mundo real.

As pistas falsas devem ser interpretadas como fake news?

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Não diria que pistas falsas são fake news. Seria diminuir o mistério literário, que tem outra essência. E dotar de mistério as fake news, que servem para enganar o público sobre assuntos que exigem a verdade. Ao contrário do que se espera de um livro policial, porém, este não fornece respostas. O papel da literatura é questionar a realidade, mesmo que seja através da ficção. Ao escritor, cabe aprofundar o mistério, não diminui-lo. Quanto ao político, ao servidor público e ao jornalista, isso não lhes cabe, pois se configura como crime. Também não estou certo de que existam pistas falsas na história, pois está tudo ali: o leitor descobre o que acontece ao mesmo tempo que o narrador. Fake news são ficções que têm resultados bastante reais, ao contrário do que acontece com a literatura, resultados que anularão o futuro. Veja só a tentativa do governo de desacreditar o trabalho do Inpe com a demissão do Ricardo Galvão. É o pior exemplo daquilo que as fake news podem causar.

Em um artigo, Boaventura trata os indígenas como “Schopenhauers selvagens” a partir de seu animismo anarquista. Como você vê essa comparação?

Boaventura é um equivocado. No caso desse artigo etnográfico, o único que publicou, com o qual interpreta o comportamento dos kaajapukugi a partir de conceitos da filosofia ocidental, simplesmente por não ter nenhum conhecimento sobre a visão indígena, ele atribui ao espírito comunitário dos kaajapukugi, que não têm líderes, uma espécie de consciência anarquista. Na verdade, o fim da tribo foi determinado no instante em que ele pensou em contatá-los. A história de Boaventura espelha a de nossa sociedade, que insiste em atribuir aos indígenas um comportamento que não é deles.

Por falar nisso, Boaventura se parece menos uma pessoa com preocupações humanistas e mais alguém desesperado para resolver problemas pessoais.

Exato, ele é a prova viva de que o inferno está cheio de boas intenções. Creio que o tema do livro passa pela angústia de Boaventura de se livrar da memória dos pais e ser ele mesmo, angústia que acaba coincidindo com a do narrador mexicano, também ele um órfão recente. Os dois são representantes de algo maior, da perda do espírito comunitário na sociedade, da perda da crença na cultura como nossa herança comum e do conhecimento da própria origem. Equivocadamente, ambos pensam que poderão ser felizes sozinhos, embora saibamos desde Marx que a felicidade só é possível em conjunto, como acontece com os indígenas.

Você se baseou em uma tribo específica ao criar os kaajapukugi?

Não posso revelar meus segredos de ficcionista, é a única coisa que me resta. Mas os kaajapukugi têm alguma coisa dos suruwahas (comunidade que vive em quase total isolamento no Amazonas). A existência de povos isolados na Amazônia assombra minha imaginação, e o fato de o Brasil não tratá-los como sendo o seu maior tesouro me entristece e enfurece na mesma medida.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.