“A Antártica é múltipla. Assusta, impõe barreiras e é hostil. Cobra um preço alto de quem a desafia. Mas também pode ser o lugar mais espetacular na Terra. Seu espectro de cores não tem rival. E os contornos dramáticos, exagerados em perfeição, nos transformam em espectadores apalermados sem saber escolher as palavras para descrever a paisagem. Nada se compara a ela”, escreve o jornalista João Lara Mesquita em A Saga do Mar Sem Fim, livro que lança nesta quarta-feira, 5, na Livraria da Vila do Shopping JK.
Ele viu essa beleza sem igual a bordo do Mar Sem Fim enquanto fazia uma série de reportagens ambientais. Voltaria a visitar o local, mas desta vez – em março de 2011 – acompanhado de um grupo de turistas. O barco, no entanto, começou a apresentar problemas ao mesmo tempo em que a natureza se manifestava. “Passei por um fenômeno climático muito raro, o jato frio inercial, que pode durar uma semana ou mais. Fui pego no meio dele. Ele acirra as condições da Antártica – faz os ventos ficarem mais fortes e o frio, mais frio. Cheguei a pegar -14º dentro do barco. Fora, a sensação térmica chegava a -30º, -40º”, relembra o jornalista.
O voo que levou os turistas embora foi o mesmo que deixou Plínio Romeiro Jr., amigo e conhecedor de náutica, no cenário congelante. Com a tripulação – e atentos aos sons, já que nada se via por causa do mau tempo, e aos sinais do radar -, eles lutariam pela vida – sem que tivessem total consciência disso – e para manter o Mar Sem Fim flutuando.
“Não tive medo de morrer. Durante todo o tempo do sufoco estive a 400, 500 metros de uma base. É evidente que se corre perigo de vida, mas não dá tempo de pensar. A ideia, ali, era não perder o barco. E se tivéssemos de perder, que isso não causasse nenhum prejuízo ambiental”, diz. Não puderam evitar o naufrágio, mas tripulação e meio ambiente saíram sãos e salvos.
A história é contada em detalhes no livro, que traz muitas imagens do local e do barco antes e depois do acidente. Nele, o autor resgata, ainda, outras viagens do Mar Sem Fim e seu resgate depois de um ano em águas congeladas. E fala da “solidariedade antártica”. Ele explica: “Antes de você pedir ajuda, já tem fila de gente se oferecendo. Todos se ajudam porque sabem que um depende do outro. As condições de sobrevivência lá são dificílimas”.
A narrativa é entremeada por memórias de infância – da caravela construída pelo irmão Fernão com um grosso gomo de bambu e com a qual brincavam na fazenda aos passeios de barco com o pai. A paixão pelo mar não existe desde sempre. Na verdade, por muito tempo, o autor conta, manteve uma relação de amor e ódio com ele. “Eu era um garoto de uns 11, 12 anos, e era uma grande aventura sair num barco que era do tamanho de uma casinha. Mas, ao mesmo tempo, eu botava a cara no mar e começava a enjoar. É o pior sentimento que o ser humano pode ter.” Foi assim por 10 anos. “Eu insistia porque achava fascinante aquele mundo de aventura, e quando o barco parava à noite para dormirmos e não balançava, eu me sentia um pirata ali dentro.”
Em 1982, ao assumir a direção da Rádio Eldorado, sua relação com o mar se tornaria, também, profissional. Para se diferenciar das concorrentes, ela passou a debater questões ambientais e logo João Lara Mesquita percebeu que o mar e a zona costeira não estavam entre as prioridades dos ambientalistas. E se dedicou ao assunto. Desde 2003, quando deixou a emissora, ele viaja pelo litoral fazendo reportagens e documentários alertando a população para os problemas. A nova temporada de Mar Sem Fim, seu programa na TV Cultura, está no ar há dois meses e sua ideia é mostrar as unidades de conservação federais da zona costeira do País.
Hoje, ele já não tem pesadelos com o acidente, mas sabe que será assombrado para sempre pela lembrança. Entre as lições aprendidas, a de nunca medir forças com a natureza. E a vontade de voltar persiste. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.