João Alfredo, um gênio incompreendido

Já estávamos nos anos 80s. Exatamente 1986. São Paulo estava recebendo grandes estrelas do jazz na badalada casa 150 Night Club, no hotel Maksoud Plaza. Em um final de semana, surgia a dama Sarah Vaughan, mito da música americana, uma das responsáveis, naquela época, em sustentar a grande canção da primeira metade do século. Quem abria seus shows era um certo João Alfredo, nascido no subúrbio do Rio de Janeiro, mas que tinha uma bossa e uma levada incomparáveis.

João Alfredo encantou aquela senhora que sabia bastante de música brasileira – fora uma das primeiras a conhecer a Bossa Nova, tinha gravado diversas músicas de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, fora “apaixonada” por João Gilberto e, claro, não era a primeira vez que ela se apresentava no Brasil (chegou a ser contratada da TV Record, fazendo shows seguidos em São Paulo). Mas ela não conhecia o João Alfredo, e quando o viu, quis levá-lo para os Estados Unidos.

O quieto e tímido João Alfredo empalideceu. Sarah era a referência para quase tudo que fizera, desde o longínquo 1952. Imagine então acompanhá-la pelos bares e nightclubs mundo afora. Era um convite irrecusável. E ele recusou. Preferiu ficar onde sempre esteve, nos cantinhos perdidos das grandes cidades, em “inferninhos” e botecos onde os clientes pouco se importam com o que está tocando, mesmo que seja uma canção como Céu e mar, por exemplo.

Não adiantou lembrar que, nos anos 60s, João Alfredo foi pivô involuntário da frase mais polêmica de Vinícius de Moraes. Ele estava apresentando, no bar Baiúca, no centro de São Paulo, temas como O que é amar, e ninguém estava ouvindo. Irritado, o Poetinha proferiu as palavras que o atormentariam por muito tempo: “Vamos sair daqui, porque São Paulo é o túmulo do samba”. João Alfredo ficou vexado.

E quem seria esse João Alfredo que encantou Sarah Vaughan? E que fez Vinícius ir até São Paulo para ouvi-lo tocar? Se chamarmos pelo nome artístico talvez fique mais fácil. É Johnny Alf, que completou na semana passada 80 anos de idade e 57 de carreira – e comemorou da melhor maneira possível, no palco, ao lado de Alaíde Costa e Emilio Santiago.

Johnny Alf é um daqueles gênios incompreendidos que só o Brasil é capaz de criar. Antes da Bossa Nova surgir “oficialmente”, em 1958, ele já tinha apresentado Rapaz de bem, que antecipava as novas modulações que Chega de Saudade e, mais tarde, Desafinado iriam consolidar. Mas o João Alfredo, mais forte que o Johnny, era retraído a ponto de não se apresentar em eventos com a chamada “turma da Bossa”, e por isso acabou ficando à margem do movimento.

Não conseguiu se firmar como artista completo que sempre foi, e tinha que defender o pão de todo dia nos bares do Rio, e depois São Paulo. A consagração viria com Eu e a brisa, que ele compôs para um amigo que iria se casar (e que não pôde ser tocada na cerimônia por ordem do padre). Mas mesmo esta canção, uma das mais importantes da história da música brasileira, não o transformou no sujeito popular que merecia ser. Continuou sendo mais João Alfredo, deixando o Johnny para os palcos.

Assim, aos 80 anos, Johnny Alf, um dos grandes músicos brasileiros vivos, depende dos shows para viver com dignidade. E, na apresentação da semana passada, ele mostrou suas pérolas – Eu e a brisa, Rapaz de bem, Olhos negros, Ilusão à toa, Céu e mar, O que é amar e Céu de estrelas. Quando o pano desceu e o espetáculo terminou, ele voltou a ser João Alfredo, o homem por trás do gênio que quase ninguém conhece hoje.

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