“JK” mostra didatismo e competência na estréia

Tudo bem que aquele rufar de tambores a embalar a seqüência inicial de "JK" seja algo assim, como dizer, quase "JFK". É que o filme de Oliver Stone sobre John Fitzgerald Kennedy abusa desse mesmo recurso sonoro ao anunciar a grandeza de seu estadista, igualmente em desfile em carro aberto – a diferença, claro, é que Dallas não é Rio e JFK ia para a morte, enquanto JK ia para o trono no Catete. Mas, que diacho, o que fazer se o baticum em questão, digno de cerimonial presidencial, é irresistível – para diretor e platéia?

A nova minissérie da Globo é toda assim, dentro do padrão (e dos clichês) Globo: bem feitíssima, competente no texto e na direção. E sem pretensão de inovar na linguagem. Ainda bem. O conteúdo, disposto a levar até a massa um trecho significativo de sua história (ou ao menos despertar nela a fome de informações), não pode se dar ao luxo de dispensar os moldes convencionais do entretenimento televisivo nem de abrir mão de algum didatismo para alcançar público tão grande e heterogêneo.

A missão do primeiro capítulo era contar os primeiros anos de Juscelino Kubitschek. Sabiamente, a seqüência inicial investe no momento de sua maior popularidade – o trajeto percorrido sob chuva de papéis picados pelas ruas do Rio – e toma José Wilker, que só entrará de fato em cena no capítulo 16, como narrador em primeira pessoa. Corta para Minas e entra Fábio Assunção na pele do pai de Juscelino. Outro trunfo da produção para seduzir a platéia. Inicia-se aí a cronologia a valer. Para coroar, a voz de Milton Nascimento guia o funeral de João César, o pai – "Como poderei viver, como poderei viver, sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia…" – e emenda a abertura para o primeiro intervalo, sob o desenhar dos traços de Oscar Niemeyer. Uma edição sem arestas. Nada a aparar. Nada a reparar.

A audiência respondeu bem. Foi a melhor dos últimos anos para uma estréia de minissérie – 39 pontos na média consolidada em São Paulo, com 59% de share (total de televisores sintonizados na Globo dentro do universo de ligados). "Hoje É Dia de Maria", estréia de 2005 na primeira semana de janeiro, teve 31 no primeiro capítulo. E "Um Só Coração", em 2004, teve 37.

Tradição, família e propriedade, TFP com todas as letras, são valores estampados no asqueroso coronel Licurgo. E Luís Melo dá show.

Com propriedade, os autores, Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira salpicam episódios da época entre uma linha e outra. O cometa Halley foi pretexto para expor conflito entre religião e ciência. Falou-se do medo da tuberculose e do estrago causado pela gripe espanhola. E, longe do enfadonho tom de merchandising cultural, o que torna a coisa bem mais palatável para ser assimilada por cérebros incautos, Paulo José foi de um encanto ímpar ao falar sobre a riqueza da imaginação que a leitura é capaz de oferecer. Ensinava ao neto Juscelino a sabedoria de se viajar pelos livros.

Da riqueza que o dinheiro não compra, da culpa católica que dispensa aborrecimentos com o pecado da carne para ressaltar a compaixão, os valores do bem desfilam em contraposição à hipocrisia do coronel Licurgo e conspiram a favor da formação do caráter do protagonista, como convém às regras do bom folhetim.

Se "JK" foi tudo isso? Bem, é a história que contam na TV, com base em pesquisas levantadas pelos autores. Se alguém duvida, tanto melhor. É um bom exercício para fuçar as linhas que fazem nossa história.

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