Jim Carrey e Kate Winslet estrelam Brilho Eterno

Quem já curtiu uma dor-de-cotovelo sabe como seria bom tirar da cabeça aquele ser que causa sofrimento. É por aí que caminha essa singular mistura de drama, comédia romântica e ficção científica que atende pelo quilométrico título de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, que estréia hoje nos cinemas. O filme é dirigido por Michael Gondry, mas a referência maior é o roteirista Charlie Kaufman, também escritor de Adaptação, Confissões de uma Mente Perigosa e Quero Ser John Malkovich, este último cult por excelência do cinema americano inteligente.

A criatividade do enredo justifica a fama do seu inventor. Aparentemente não é nada: há um casal, Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), com seus conflitos. Para resolvê-los, a moça resolve recorrer aos serviços de um profissional que apaga as lembranças dolorosas dos clientes. Desesperado, Joel procura fazer o mesmo, de modo a “deletar” Clementine dos seus neurônios.

A história é exposta de maneira criativa. Primeiro, não segue o tradicional caminho linear, uma linha reta que avança no tempo. Como aborda um processo radical de intervenção mental, trata o tempo como se fosse uma paisagem abstrata, na qual você pudesse ir saltando à vontade de um ponto a outro e não estivesse condenado a seguir sempre em frente. Segundo, porque, a partir de certo momento, o que se vê na tela passa a boiar entre pelo menos dois planos distintos, o da “realidade” objetiva e o do delírio de uma mente que está sendo em parte apagada. A maneira como esses dois aspectos são pensados, filmados e interagem não deixa de ser bem criativa. Enfim, sempre é bom saudar algo de novo vindo de uma cinematografia tão cansada, monótona e repetitiva como a norte-americana.

Mas não se trata apenas de ser original. O que existe em Brilho Eterno é uma tentativa, ainda vacilante, de colocar o cinema no passo desse nosso presente problemático. Em geral, quando vamos ao cinema, temos a impressão de que a arte cinematográfica, hoje considerada como tão mais moderna quanto mais efeitos especiais contiver, ainda respira a atmosfera narrativa do século 19. Quer dizer que a sua estrutura segue o formato do romance mais tradicional. E, de certo modo, o cinema mais popular nunca entrou mesmo no século 20, e sobretudo, nunca chegou aos anos 1920, quando se processaram as grandes rupturas estéticas, como o cubismo nas artes plásticas e o serialismo na música. Ficou para trás, e não tomou conhecimento da ruptura do romance proposta por Joyce, quando publicou Ulysses em 1922. No final, é estranho ver o ator Jim Carrey trabalhando num papel sério. Além disso ele não combina com a Kate Winslet. Um bom filme, talvez uma tentativa de Hollywood em ser um tico européia.

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