O caminho até a glória prometida pela ostentação do Best of Blues Festival, que teve sua segunda edição em São Paulo no final de semana cobrando até R$ 900 por um bilhete, foi longo. Começou sexta, com uma interessante e irregular mostra de guitarristas de três gerações; seguiu sábado com uma mistura de mundos às vezes incomunicáveis; e terminou ontem, quando o negócio começaria a virar qualquer coisa menos um festival de blues, com os shows de Trombone Shorty, Marcelo D2 e Aloe Blacc.

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Mas foi no meio de tudo, quando já passava das 23h de sábado, que o teatro do World Trade Center abrigaria a maior celebração à guitarra de sua temporada. Jeff Beck, 70 anos a partir do dia 24 de junho, foi generoso ao blues sem abrir mão da liberdade de pensamentos com a qual criou sua escola. Fez um show raro, muito diferente daquele que trouxe em 2010 ao extinto Via Funchal, intercalando temas instrumentais a blues e rocks cantados pelo vocalista Jimmy Hall.

O que impressiona em Beck é sua capacidade de não repetir uma frase, uma ideia, um único padrão de solo. Não seria um crime. Eric Clapton, BB King, Buddy Guy e Angus Young cansam de brincar assim. Chuck Berry fez a vida sobre três ou quatro riffs. Stevie Ray Vaughan, do alto de sua imaculada maestria, deixava claro por onde sua fúria seguiria. Mas Beck, como Jimi Hendrix, prefere surpreender-se o tempo todo. Quando os ouvidos pedem um caminho, ele segue por outro. Quando pensam que tudo vai terminar no grito dos agudos, lança um harmônico suave e entrega a mais bela nota pela duração mais precisa. Sua criação ganha sentido ao mesmo tempo em que puxa a cadeira do espectador.

Beck tira da cartola um novo coelho a cada segundo mesmo quando sai do centro gravitacional e convida um vocalista para assumir a frente. Ainda que na condição de “guitarrista base”, acha um efeito que o diverte e olha sorrindo como criança para o baterista Vinnie Colaiuta, o gigante de seu blues trio (de muito trabalho prestado a Frank Zappa). Supertition, de Stevie Wonder, sai cheia de som e fúria. Rollin’ and Tumblin’, um clássico do delta blues de 1929, vem com tensão e êxtase. E quando a noite já está ganha, ele saca uma homenagem a Jimi Hendrix de dar agonia nos seguranças que tentam fazer as pessoas respeitarem a frágil divisão de plateias. Little Wing e Foxy Lady terminam com a civilizada audiência de até então, fazendo o público ficar de pé, multiplicando as câmeras erguidas na plateia.

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Joss Stone vem graciosa fazer com ele o blues I Put a Spell On You, levando a voz à cerca de arames farpados que a separa de Etta James. Joss usa todos os atributos que Deus lhe deu. Sabe ser irresistível dentro do longo vestido branco, seduz acariciando a ponta de seus cabelos loiros. Sua apresentação, feita antes de Beck e depois da cantora Céu, é a mais perfeita tradução do novo soul pop. Quem quer boa música tem o grupo que a acompanha. Quem quer dançar tem as baladas e as discos que atingem a massa e garantem sua vida artística. Mas a cabeça de Joss bate logo no teto. Ela acredita naquilo que canta e sabe que canta muito. Mas ainda é produto de um simulacro, uma projeção de grandes cantoras negras do soul e do blues. Ainda falta aquilo que faça o público sair de seu show dizendo algo como “só Joss Stone pode fazer isso”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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