Há um momento de M8 – Quando a Morte Socorre a Vida, filme de Jeferson De que participa da competição da Première Brasil, no Festival do Rio, em que Mariana Nunes – a mãe – discute na cozinha do apartamento, com o filho. O garoto está estressado e atropela a mãe com uma enxurrada de palavras. Negro e pobre, ele estuda num curso tão seletivo quanto a Faculdade de Medicina. Negros, ali, só os cadáveres que o garoto disseca nas aulas de anatomia e os funcionários. A mãe reage. Fala mais alto. “Sou uma mulher preta falando. Me escute.” A fala de Mariana repercutiu no Cine Odeon, e a plateia prorrompeu em aplausos. Toda a obra em processo de Jeferson De, seus curtas e longas, foram ensaios para esse momento único, que talvez seja o mais importante do cinema brasileiro atual.
A tendência é mundial, e deu o tom no Festival de Cannes, em maio – Bacurau, Parasita, Les Misérables, todos premiados pelo júri presidido pelo diretor Alejandro González-Iñárritu, o segundo, com a Palma de Ouro. A revolta dos excluídos também irrompe em Coringa, que venceu Veneza. M8 vencerá o Festival do Rio? O filme é forte. O garoto, Maurício, interpretado por Juan Paiva, para ir à faculdade, passa todo dia por uma manifestação de mães que, como as da Praça de Mayo, cobram informações sobre seus filhos desaparecidos, a maioria de jovens e negros. O necrotério de Morto não Fala, de Dennison Ramalho, já serviu como amostra das mortes violentas no País. Nas mesas de dissecação de cadáveres da faculdade, só negros.
Maurício impressiona-se com um dos cadáveres. Começa a ter pesadelos. Na apresentação, Jeferson disse que, para a equipe predominantemente negra, foi muito difícil filmar a cena final. Um filme fantástico – de horror? O que reservará esse final? É emocionante. Para a produtora Iafa Britz, M8 nasceu sob o signo de todos os deuses – judaicos, pelo lado dela, afro-brasileiros, pelo coração de Jeferson e seu elenco. Maravilhoso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.