Jean-Paul Salomé integrou com o repórter o júri da Caméra d’Or no Festival de Cannes. O ano era 2006 e os presidentes do júri – eram dois, os irmãos Dardenne – fizeram apenas uma exigência. Queriam um júri francófono, em que todo o mundo falasse francês. Salomé, nascido em 1960, já era diretor de filmes como O Fantasma do Louvre e Arsène Lupin – O Ladrão Mais Charmoso do Mundo. Em dezembro, Salomé esteve no Brasil para divulgar o novo longa, que estreou no último sábado – Se Fazendo de Morto. Admitiu sua dívida com François Truffaut – Se Fazendo de Morto é um divertissement policial na vertente de De Repente, Num Domingo.

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A par de sua atividade como diretor, Salomé, na gestão de François Hollande, é também presidente da UniFrance, o organismo criado para promover/divulgar o cinema francês no exterior. O mandato expira neste mês, mas Salomé anunciou que tem apoio para apresentar seu nome e permanecer no cargo. Disse que está sendo um bom ano para o cinema da França, com alta participação no próprio mercado – em torno de 40%. E ele cita o Brasil como um dos mercados mais importantes para o cinema francês, no exterior. “O inusitado é que os filmes franceses que mais fazem sucesso aqui são os de autores. O cinema de arte. O Brasil é sui generis para nós, artistas.”

Se Fazendo de Morto inspira-se numa história que Salomé leu no jornal. Ele conta, aliás, que notícias de jornais são grandes fontes de inspiração para quem quer contar histórias. “Li sobre esse ator desempregado que havia sido contratado pela Justiça para fazer papel de morto na reconstituição de um crime. O texto relatava que, depois de uma experiência pioneira, não apenas esse ator, mas outros colegas começaram a ser chamados para colaborar. A história me pareceu curiosa, e de cara, ao me decidir em transformá-la em filme, optei pela comédia. “Tem um lado sombrio que poderia ficar deprimente.

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Trabalhar com o humor foi algo que me estimulou. Um policial com uma pitada de humor e outra de romance. Pensei em (François) Truffaut e seu Vivement Dimanche, com Jean-Louis Trintignant e Fanny Ardant, do qual gosto tanto.”

O curioso é que Salomé conseguiu incluir os irmãos Dardenne no projeto. “Reencontrei-os em Cannes numa época em que buscava parceiros. Eles acharam interessante, pois estão querendo diversificar suas produções. Imediatamente deram seu aval e eu, para retribuir, achei que devia fazer o filme com um ator belga. Meu filho me mostrou os esquetes de François Damiens na TV. Achei que ele possuía uma força e também uma estranheza estimulantes.” Damiens faz atualmente o pai de A Família Bélier, de Eric Lartigau, que também está em cartaz nos cinemas brasileiros. É ótimo, e se em Se Fazendo de Morto ele representa ‘a vítima’, na Família Bélier integra uma família de surdos-mudos, na qual somente a filha fala e ouve normalmente.

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E Salomé explica – “O que Damiens me trouxe foi um estranhamento. Ele tem uma maneira peculiar de se mexer e o que eu precisava era justamente disso – de um corpo estranho na cena do crime.” Na trama de Se Fazendo de Morto, o ator chama-se Jean Renault, um trocadilho com Jean Reno. Embora tenha recebido o César, o Oscar francês, a carreira não foi para a frente. Contratado para fazer o morto numa reconstituição criminal, Renault imediatamente cria um antagonismo com a magistrada encarregada do caso, Géraldine Nakache. O perfeccionismo de Damiens/Renault parece que vai dificultar/emperrar o andamento da Justiça, mas, na verdade, ele termina por colocar a investigação no rumo certo. A descoberta do(s) culpado(s) não se faz sem atropelo nem surpresas. E no processo o espectador diverte-se bastante.

Vale assinalar que Jean-Paul Salomé reservou-se um pequeno papel. Faz o jornalista. “É um clin d’oeil (piscar de olhos cúmplice), a minha modesta homenagem a Hitchcock e Truffaut.”