Os livros de Geoff Dyer são argumentos contra o excesso de bagagem especializada. Suas obras sobre arte – jazz, fotografia ou cinema – superam a média de textos intelectuais ao estabelecerem uma vibrante intimidade entre tema e autor. São cartas entre um e outro, nas quais impera uma tradução extremamente pessoal do assunto, e que tornam-se criações à altura do tema através de estratégias narrativas ousadas. É caso do brilhante “Todo Aquele Jazz”, que acaba de ser lançado no País em português pela Companhia das Letras.
Dyer, que chega em breve ao Brasil para participar da Flip, espelha em seu livro o lirismo improvisado dos mestres. Como poucos críticos de música, consegue levar um solo de Lester Young, ou um arranjo de Duke Ellington, para a cama. Seduzir e se deixar ser seduzido, para nos contar sobre a noitada com a intensidade de um adolescente. O resultado são 200 páginas povoadas pela essência de Thelonious Monk, Bud Powell e Charles Mingus, entre outros, e despreocupadas com detalhes históricos. A ética do autor foge dos fatos, diriam os especialistas, ou os defensores de textos mal-escritos que compensam a falta de imaginação com datas e contextualizações. Mas isto se encaixa no velho debate: quem liga para os fatos quando a verdade nos chega através de uma semificção? Dyer, ensaísta e romancista, além de enxerido cultural, certamente não. E parece não haver melhor forma de mostrar ao leitor quem é Chet Baker do que a narração de uma hipotética cena pós-coito em “Todo Aquele Jazz”, na qual o escritor imagina o trompetista tocando, ausente, em meio a lençóis umedecidos:
“Chet não punha nada de si em sua música, e era isso que lhe conferia tanta pungência. A música que Chet tocava sentia-se abandonada por ele. Não era o seu modo de tocar que estava carregado de sentimento, era a própria canção, porque se sentia ferida. Sentia-se que cada nota tentava ficar um pouco mais com ele, suplicando por isso. A própria canção gritava para quem se dispusesse a ouvir: por favor, por favor, por favor”, escreve. Ou haveria melhor jeito de despertar o interesse do leitor pelo denso mas colossal Stalker, de Andrei Tarkovsky, do que estruturar um livro sobre o tema com o mesmo suspense arrastado concebido pelo diretor, e refletir: “Tarkovsky está dizendo à plateia: esqueçam suas noções sobre o tempo. Parem de olhar para seus relógios, isso aqui não vai ser na velocidade de Velocidade Máxima, mas se você se render ao tempo de Tarkovsky, o caos frenético de Ultimato Bourne vão parecer mais entediantes que A Aventura (de Michelangelo Antonioni)”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
TODO AQUELE JAZZ
Autor: Geoff Dyer
Tradução: Donaldson Garschagen
Editora: Companhia das Letras (240 páginas, R$ 39,50)