Jabor lança livro e prepara volta ao cinema

Doloroso acerto de contas de um casal, Eu sei que vou te amar é, até o momento, o último filme dirigido por Arnaldo Jabor. Foi em 1986 e a interpretação de Fernanda Torres, que divide a cena com Thales Pan Chacon, foi reconhecida no Festival de Cannes daquele ano. Sucesso merecido, pois poucas vezes a relação amorosa entre homem e mulher foi tão profundamente discutida. Uma história tão atual que o próprio Jabor decidiu adaptá-la para o texto literário, lançado agora pela editora Objetiva (136 páginas, R$ 29).

O casal vive uma intensa sessão de psicodrama, movido por um dilema: como amar depois que a relação passou por tantas transformações. Jabor conta que manteve várias frases originais, mas atualizou o texto motivado pelas inúmeras experiências vividas desde então. Entusiasmado, ele conta, na seguinte entrevista, sobre seus planos de voltar ao cinema com o filme A suprema felicidade, identificado como seu Amarcord, que pretende rodar em maio. ?Sempre achei Tudo bem meu melhor filme, mas esse promete superar?, disse.

– Como surgiu a idéia de lançar Eu sei que vou te amar em livro?

Arnaldo Jabor – Primeiro, é preciso lembrar: não se trata do roteiro do filme. Como se trata de uma história muito falada, eu fiz uma novelinha em cima do filme, do qual utilizei muitos diálogos. Mas, do meio para o final, a situação muda, tornando-se mais discursivo. O livro virou uma espécie de manual de auto-ajuda para discussão de relação. O amor é muito mais falado que feito. As pessoas falam que querem amar, daí o título do filme. Li Proust, que fala que o amor é uma máquina com a qual despertamos internamente. Você resolve se apaixonar e escolhe um objeto. E a função da relação é, ao final, transformar o outro em você, em alguém que se parece muito com você.

 – Você atualizou algo na história?

Jabor – No filme de 1986 não havia algumas discussões que surgiram com o tempo. Acrescentei detalhes da experiência pessoal, momentos dos sofrimentos que tive em torno desse assunto. O livro cresceu, ficou bem denso. O texto é mais atualizado. O livro é uma outra realidade, o texto é diferente. Lá tem o que os personagens pensam, o que não é encontrado no filme. Mostra também como, em certas simbioses, os casais têm um timing sincronizado: mesmo separados, um sabe o desejo do outro.

– Ao mesmo tempo em que transformou seu mais recente filme, Eu sei que vou te amar, em livro, você também cuidava da sua volta ao cinema, certo?

Jabor – Sim, estou escrevendo agora o roteiro de um filme que vou rodar no próximo ano, chamado A suprema felicidade. É uma espécie de Amarcord brasileiro. Vai se passar no Rio de Janeiro do final dos anos 1950, época em que a cidade vivia um momento muito feliz, esperançoso. Todos acreditavam que tudo iria dar certo. O Rio ganhava uma vida urbana, surgia a bossa nova, a liberdade sexual já aumentava. Tem muito a ver com essa busca desesperada pela felicidade. É um delírio psicológico em que as pessoas falam sem parar, desejando amar. Espero terminar o roteiro em um mês e filmar logo, pois já tenho uma distribuidora estrangeira.

 – O filme terá traços autobiográficos?

Jabor – Com certeza. Será um filme sobre minha infância na Urca, para onde fui aos 10 anos. A história se baseia entre a vida angustiante da família e a liberdade que havia fora dela. Como vai cobrir a fase entre os 10 e 18 anos de um rapaz, será algo parecido com o que na literatura se chama bildungsroman, ou seja um romance de formação que retrata a transformação desse adolescente em um homem. Como se trata de um filme muito musical vou utilizar uma trilha baseada nos sucessos da época e, para isso, pretendo convidar os melhores chorões para trabalhar. Acho que será uma dialética da tristeza de classe média, com seus preconceitos internos, enquanto a felicidade toma conta do lado de fora das casas.

 – Você ainda considera Tudo bem seu melhor filme?

Jabor – Sim, considero. Tudo bem tem algo que não consegui em outros filmes: a união entre o individualismo da classe média e a situação histórica e política mais épica. Há um mix entre o cotidiano naturalista psicológico com o épico que é difícil conseguir. Geralmente, isso termina inevitavelmente em alegoria. Quem conseguiu isso de forma genial foi Glauber Rocha -em Deus e o diabo, ele mistura o épico com o pessoal de forma extraordinária. A suprema felicidade vai ser meu melhor filme, acredito.

 – Como o exercício jornalístico o ajudou durante esse hiato no cinema?

Jabor – O jornalismo me preparou muito. No cinema, eu vivia em um mundo muito fechado, em um corporativismo povoado apenas por outros cineastas como Luiz Carlos Barreto, Cacá Diegues, Hector Babenco. O mundo hoje é mais amplo para mim. Aprendi a escrever melhor, mas estou envenenado pela política. Tenho uma necessidade real, poética, de fazer um filme. Retomar a alegria de viver com uma equipe de filmagem.

 – E como foi enfrentar as enormes mudanças tecnológicas acontecidas desde que você parou de filmar?

Jabor – Tudo mudou nesses 20 anos! Converso com fotógrafos, técnicos, e descubro que não sei mais nada. Está muito mais fácil filmar hoje em dia. É fácil fazer um filme que parece bom. O que falta é sentimento, por isso que acredito no sucesso do meu novo filme. Por falar de solidão e da razão para estar vivo e para amar. O mundo está muito bruto hoje. Daí minha preferência pelo cinema de Wong Kar-wai, o único diretor interessante que vejo, na atualidade. 

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