Quando começou a escrever Boa Noite a Todos, Edney Silvestre percebeu que dispunha de dois tipos de narrativa: uma novela, seguida de um monólogo teatral. E, para justificar as duas opções, ele acrescentou uma terceira, um ensaio, em que explica as escritas em paralelo que a antecedem.
Para comprovar a força do diálogo, o livro será lançado na noite desta terça-feira, 21, na Livraria da Vila do shopping JK Iguatemi, onde trechos serão lidos pela atriz Irene Ravache – no Rio, a leitura foi feita por Fernanda Montenegro e, antes, Cristiane Torloni já fizera um leitura, dirigida por José Possi Neto.
“O ritmo e o tom de voz que cada uma imprime são essenciais para revelar uma forma de se ler o romance”, acredita Silvestre que, em seu quarto livro, mantém um olhar afiado sobre a história contemporânea.
Aqui, a trama acompanha Maggie, senhora que se hospeda em um hotel com propósitos suicidas. Ela vive um processo de perda de memória, o que lhe provoca lapsos de linguagem e confusão com nomes, mesmo os de pessoas próximas, como seus três maridos, a mãe (que deu cabo da vida) e a irmã, que morreu de desgosto ao descobrir o caso entre seu marido e Maggie.
Trancada no quarto do hotel, enquanto se prepara para o ato final, a protagonista tenta recordar fatos marcantes da própria vida, mas as lembranças se apagam e surgem embaralhadas. A narrativa, portanto, concentra-se no fluxo de consciência de Maggie, seja na prosa, seja na dramaturgia.
“Quando comecei a escrever, há quatro anos, o texto nasceu primeiro como uma novela, mas logo percebi que também tinha uma peça em mãos”, conta o escritor, que não pretende, com o ensaio que detalha o processo da escrita, facilitar a vida do leitor. “Não são explicações, apenas considerações sobre o trabalho.”
A divisão entre prosa e dramaturgia também se impôs por conta de particularidades que cada gênero apresenta. “Em um palco, não funcionam citações de Florbela Espanca ou Sylvia Plath, pois soam esnobes e pouco acrescentam à trama. Agora, em um romance, as mesmas citações ganham força, pois mostram os livros que Maggie carregou na vida”, explica o escritor.
A inspiração para criar Maggie, aliás, nasceu de um fato real. Silvestre partiu da história da mãe de um amigo, brilhante professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cuja filha morreu repentinamente ainda jovem, quando vivia nos Estados Unidos. O corpo foi rapidamente cremado e ainda em território americano. “Foi um baque muito grande para essa mãe, que não aguentou e, aos poucos, foi se desligando do mundo”, relembra. “Em apenas três anos, aquela mulher genial, professora universitária, atleta, simplesmente desapareceu com o apagamento de suas memórias.”
Maggie, portanto, é uma mulher que, apesar da perda progressiva de suas lembranças, ainda mantém um domínio: o controle da própria vida. Daí a decisão de se matar. “Ao perdemos nossa identidade, nós nos perdemos por inteiro e, se não temos a nós mesmos, não conseguimos reter mais nem boas nem más recordações, tampouco o que nos formou, então, não temos mais nada.”
Essa luta desesperada (e inglória) contra o total esquecimento ganha ainda mais força com a decisão de Silvestre, presente em todos os seus romances, de localizá-los em uma determinada época, cujos fatos também interferem na trajetória dos personagens. “As Histórias do Brasil e do mundo surgem como uma moldura para a trama, que se alimenta dos acontecimentos do dia a dia.” Assim, Maggie desfrutou de uma vida glamourosa nos anos 1960 e 1970, graças às vantagens conquistadas pelos diferentes maridos, enquanto o País vivia sob repressão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.