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Irene Ravache estreia o monólogo ‘Alma Despejada’, em que mulher revê a vida

Teresa vagueia por uma sala onde os móveis estão cobertos com panos – caixas espalhadas pelo local confirmam que haverá uma mudança em pouco tempo. Senhora com pouco mais de 70 anos, Teresa está, na verdade, morta e faz agora sua última visita à casa onde morava. “Ela está diante do que foi a sua vida e encontra o entendimento do que foi sua existência”, comenta a atriz Irene Ravache, que interpreta Teresa no monólogo Alma Despejada, que estreia nesta quarta-feira, 18, no Teatro Porto Seguro.

O texto foi especialmente escrito para ela por Andréa Bassitt e celebra seus 75 anos de vida, dos quais 56 dedicados à arte. Foi um pedido pessoal feito pela atriz para marcar seu aniversário. “Eu queria falar sobre uma mulher da minha idade, sua relação com a memória. E também sobre a morte, um assunto difícil de se tratar”, conta Irene. “Isso tudo me toca profundamente a ponto de me emocionar em cena, o que disfarço no tom da voz.”

A atriz conversa com o Estado depois da primeira apresentação aberta ao público, na semana passada. Não esconde o alívio com a boa recepção. “Vivemos no escuro até chegar a plateia”, comenta. É uma mulher esbelta e elegante, que fala de forma suave, cuja gravidade, muitas vezes, é derrotada por uma profunda bondade.

Ensaios abertos são valiosos para medir a eficiência dos momentos cômicos ou mesmo para saber como controlar a emoção. “Irene tem pleno domínio do palco, sabendo como mostrar a transformação pela dor sentida pela personagem”, atesta Elias Andreato, que assina a direção do espetáculo, ele mesmo um especialista em monólogos: como ator, viveu personagens icônicos como o escritor Oscar Wilde e o pintor Van Gogh.

Em cena, Teresa é uma mulher que aos poucos revela seus sentimentos de esposa dedicada ao marido e aos filhos à senhora que busca alteridade na velhice e já percebe nitidamente as rachaduras nas relações familiares. “Em um determinado momento, ela diz: Sempre achei feia a palavra hipocrisia. Hoje, eu a acho linda. Isso diz muito sobre sua evolução”, comenta a atriz.

Muitas das falas, aliás, são reveladoras, pois Teresa, enquanto reflete sozinha, fala diretamente com a plateia. Ao mostrar as marcas deixadas pelo passar do tempo, por exemplo, ela aponta para a imagem de uma enorme árvore, no fundo do cenário, e diz: “Ela é mais velha que eu, mas não parece”.

“Conheço Irene já há algum tempo e sempre conversamos muito sobre a vida: o país, a política, a família e tantas outras coisas. Muitas vezes pensamos de um jeito parecido, e essa afinidade foi bastante inspiradora”, observa a autora Andréa Bassit. “A ideia era falar sobre isso tudo, sem medos nem críticas, mas com humor e delicadeza. Ao longo do processo, a história acabou tomando um rumo inesperado para mim, mas que não havia como evitar, uma vez que vivemos momentos de grande impacto na nossa história e o teatro sempre acaba refletindo essas situações.”

Em uma conversa com a plateia logo depois de seu primeiro ensaio aberto, Irene foi questionada por um espectador sobre o fato de representar uma alma. “Não se trata de uma peça espírita, embora eu não tenha nada contra esse tipo de dramaturgia. Na verdade, o texto da Andréa tem uma espiritualidade natural.”

A solidão em cena, Irene compensa ao se dirigir diretamente ao público. Uma nova experiência para uma carreira construída com experiências diversas – estreando profissionalmente em 1962, a atriz já contabiliza 24 peças teatrais, 34 trabalhos na TV entre novelas e séries, e 13 filmes de cinema.

Irene orgulha-se de ter participado de espetáculos teatrais marcantes, como Roda Cor de Roda (1975), De Braços Abertos (1984), Intimidade Indecente (2003) e Meu Deus! (2015); na TV, entre tantos trabalhos, esteve no elenco de Beto Rockfeller (1968), novela da Tupi que modernizou a teledramaturgia brasileira; e, no cinema, tem passagens definitivas em Lição de Amor (1975) e Doramundo (1978).

A lembrança mais forte de sua estreia, porém, foi marcada pela timidez. Jovem e inexperiente em 1962, Irene decidiu seguir rigorosamente as determinações do diretor Kleber Santos na peça Aconteceu em Irkutsk, de Aleksei Arbusov. Não satisfeita, não tirou o olho dos colegas mais velhos, cuja movimentação cênica lhe servia como aprendizado.

Com o País vivendo tempos conturbados a partir do golpe militar de 1964, Irene partiu para um teatro mais politizado, especialmente o clássico Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri e com direção de Oduvaldo Vianna Filho, que lhe deu o papel de Mariazinha ao perceber seu talento na leitura do texto – Irene fez o teste antes da chegada das verdadeiras candidatas. “Mas a ascensão começou pelas mãos de Antonio Abujamra, no texto inovador de Leilah Assumpção, Roda Cor de Roda”, observa o teledramaturgo Silvio de Abreu, em texto publicado no livro Simples Assim, Irene (M.Books), de Cacau Hygino. “Quem viu a explosão cênica de Irene, solta, segura, despudorada naquele espetáculo, ao lado de Lilian Lemmertz, jamais a esqueceu.”

Foi a chave para Irene emendar uma série de papéis representativos da mulher moderna, comprovando como sua carreira se construiu como reflexo dos tempos, a exemplo agora de Alma Despejada.

ALMA DESPEJADA
TEATRO PORTO SEGURO
AL. BARÃO DE PIRACICABA, 740.
TELEFONE: 3226-7300.
4ª E 5ª, 21H.
NOS DIAS 9, 10, 30 E 31 DE OUTUBRO, NÃO HAVERÁ SESSÃO.
ATÉ 28/11
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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