Há pouco mais de sete anos uma socióloga estudou um grupo de pesquisadoras da Unicamp para escrever sua dissertação de mestrado, revelando os preconceitos que tiveram de enfrentar para se afirmar no mundo da ciência, dominado pelos homens. A história é antiga. Vem desde o tempo em que Hipátia de Alexandria, morta em 415 d.C., filha de um filósofo e astrônomo, acreditou que sua filosofia neoplatônica e seus conhecimentos de matemática poderiam estabelecer uma relação simétrica com o mundo masculino – isso numa época em que o cristianismo avançava e condenava como herege qualquer opositor da doutrina.
Considerada pagã, Hipátia foi perseguida por Cirilo, bispo de Alexandria, e esquartejada numa igreja. Ela, que mapeou os corpos celestes, e outras três cientistas – a francesa Marie Curie (1867-1934), a inglesa Rosalind Franklin (1920-1958) e a brasileira Bertha Lutz (1894-1976) – são agora personagens da peça Insubmissas, de Oswaldo Mendes, que estreia neste sábado, 17, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, com direção de Carlos Palma.
A peça integra um projeto pioneiro no Brasil, o núcleo Arte Ciência no Palco, que, desde 1998, já montou 16 espetáculos, todos eles dedicados a investigar a relação entre arte e ciência. O primeiro deles foi o monólogo Einstein, seguido pelo maior sucesso do núcleo até hoje, Copenhagen (2001), peça escrita em 1997 por Michael Frayn, que discute justamente os problemas éticos de dois cientistas envolvidos no processo embrionário da teoria quântica, o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) e o alemão Werner Heisenberg (1901-1976). O inglês Frayn é um desses autores que criaram um diálogo certeiro entre ciência e arte, fazendo do teatro uma ponte para a difusão de um saber restrito aos círculos acadêmicos. Oswaldo Mendes, que interpretou o dinamarquês Bohr em Copenhagen, é o seu correspondente brasileiro.
Para falar do universo machista da ciência, Mendes não precisou de um homem em cena – “para evitar a tentação de cair no conflito dialógico”. Há, sim, a voz em off de um ator que surge no prólogo como uma espécie de inquisidor, mas o público toma conhecimento da história das quatro cientistas pelo próprio relato delas, todas, de uma forma ou de outra, vítimas do desequilíbrio entre o desenvolvimento da ciência e o atraso social da época em que viveram.
“Hipátia sintetiza o percalço de todas as mulheres que se introduziram na comunidade científica”, define o autor Mendes. Ao lado da filósofa de Alexandria, interpretada por Vera Kowalska, outras três cientistas formam um painel da insubmissão aos valores ditados pelos chauvinistas. A polonesa Madame Curie (a premiada atriz Selma Luchesi), apesar de ganhar duas vezes o Nobel e descobrir o rádio e o polônio, era vista na França, segundo Mendes, como “uma ladra de maridos”, por ter um relacionamento com o físico Paul Langevin, casado, o que provocou um escândalo e manifestações explícitas de xenofobia na imprensa francesa.
A biofísica inglesa Rosalind Franklin (Monika Ploger), pioneira da biologia molecular, que concluiu ter o DNA forma helicoidal, morreu de câncer sem ser reconhecida por sua descoberta – o americano James Dewey Watson e dupla inglesa Maurice Wilkins e Francis Crick confirmaram suas pesquisas e ganharam o Nobel em 1962, quatro anos após sua morte. Finalmente, a brasileira Bertha Lutz (Adriana Dham), bióloga, pesquisadora do Museu Nacional, protofeminista e filha do pioneiro em medicina tropical Adolpho Lutz, não teve o reconhecimento do pai. Especialista em anfíbios, ela foi a segunda brasileira a integrar o serviço público no Brasil, mas enfrentou a ira dos patriarcas ao defender mudanças das leis trabalhistas com relação à mulher. “Ela abdicou do trabalho na ciência para defender esses direitos e, mais, ao entrar para o Museu Nacional para chefiar o setor de botânica, teve de se submeter a ser admitida como secretária, pois o Estado Novo não concebia uma pesquisadora mulher”, conclui o autor, que dirigiu Elis Regina em Essa Mulher em 1978. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.