A prosa poética de João Guimarães Rosa (1908-1967) é tão rica e singular que sua simplicidade complexa chega a impor barreiras quando o texto é adaptado para outras artes, como o cinema, teatro e TV. Mas como comprovam o filme “Outras Estórias”, de Pedro Bial, e a minissérie “Grandes Sertão: Veredas”, adaptada por Walter George Durst para a Globo, é possível vencer o aparentemente intransponível muro e oferecer produtos de qualidade. É o que ambiciona a peça “Maria Miss”, que estreia nesta terça-feira no Teatro Eva Hertz.
Trata-se da adaptação do conto “Esses Lopes”, que figura no livro “Tutameia” e é um dos poucos em que Rosa escreveu do ponto de vista feminino. Com adaptação de Evill Rebouças, a peça é ambientada no sertão mineiro na década de 1960 e acompanha as lembranças de Flausina (Tania Casttello), que desejava se chamar Maria Miss, uma espécie de “heroína torta”. Afinal, depois de subjugada pelos homens da família Lopes (Daniel Alvim e Cacá Amaral se desdobram para interpretar os quatro irmãos e um primo), ela mata todos eles e ainda manda embora os três filhos gerados a partir de uma relação tão violenta.
“O conto fala de uma mulher que transformou seu destino, como tantas brasileiras”, comenta Tania Casttello, também idealizadora do projeto. Ela convidou Yara de Novaes para dirigir o espetáculo justamente por sua habilidade em trabalhar com a caprichosa sintaxe da narrativa original. “Há muita teatralidade na poética rosiana, há algo que ainda não é teatro, mas que revela novas possibilidades para o teatro”, disse Yara. “Assim, a palavra é a matriz que permite a supressão dela própria, construindo silêncios e movimentos cênicos que são ela, sem que o verbo haja.”
Como o original possibilita infinitas leituras poéticas, Evill Rebouças optou por um ponto de vista próprio para concluir sua adaptação. “O belo no conto de Guimarães Rosa é o modo como ele mostra o silêncio de uma mulher subjugada. Maria Miss sofre as piores atrocidades físicas e morais, mas no seu silêncio ela traça a liberdade”, comenta.
Yara buscou ainda contrabalançar o humor com o clima pesado da história. “A linguagem do espetáculo é gerada pela evolução emocional da personagem Maria Miss”, observa. “Começamos mais lúgubres, ligados a uma sintaxe cênica mais trabalhada, com formas mais escolhidas e evidenciadas. Aos poucos, assim como a personagem, o espetáculo liberta-se dessa sujeição formal, chegando, por fim, ao quase improviso. À medida que isso acontece, o humor aparece de maneira simples, orgânica e estrutural.”
A geografia também assume papel decisivo – assim, a cenografia de Márcio Medina, a iluminação de Wagner Freire e a trilha de Rodrigo Mercadante, assim como a ocupação do espaço feita pelos atores, criam uma dramaturgia de paisagem, segundo avalia a diretora. “Nela, há a verticalidade das montanhas, as cores e os sons do terreiro, o pó da estrada, a neblina da madrugada, o escuro do silêncio, o sol como centro nervoso da estória. Não há como prescindir da geografia rosiana, ela está dentro das pessoas, define sua natureza e atitudes.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
MARIA MISS
Teatro Eva Herz (Av. Paulista, 2.073). Tel. (011) 3170-4059. 3ª e 4ª, 21h. R$ 30. Até 25/7. Estreia terça