Cannes, em maio. Sob um sol de torrar o cérebro, as entrevistas de “Restless” realizam-se na Praia do Festival. Estavam presentes a produtora Dallas Bryce Howard, os atores Mia Wasikowska, a Alice de Tim Burton, e Henry Hopper (filho de Dennis), o diretor Gus Van Sant. “Restless” abriu a seção Un Certain Regard, que integra a seleção oficial e é a segunda em prestígio, de Cannes, após a competição. Com o título de “Inquietos”, “Restless” é uma das atrações anunciadas do Festival do Rio, que começa hoje. O cinéfilo que estiver no – ou for ao – Rio especialmente para assistir ao festival não pode perder o novo Gus Van Sant. É o melhor filme do autor em anos, e olhem que não lhe falta prestígio. A estreia nas salas está prevista para 25 de novembro.

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Figurinha carimbada em Cannes e Veneza, Gus conta que “Inquietos” nasceu como projeto de Dallas Bryce Howard. “Recebi o roteiro através do escritório do produtor Brian Grazer, que costuma trabalhar com Ron (Howard, pai da atriz e, aqui, produtora). Bryce já vinha trabalhando no filme com o roteirista Jason Lew desde que eu fazia o remake de Psicose.” Ou seja, 13 anos. “Recebo muitos roteiros de jovens e sobre jovens. A primeira coisa que me interessa é a história. Depois, avalio questões mais técnicas. O desenho dos personagens, a viabilidade das produções. Tudo era tão perfeito em Inquietos, não resisti.”

Desde o começo de sua carreira, que remonta a “Mala Noche”, de 1985, Gus Van Sant tem revelado especial preferência pelos temas da juventude. Por quê? “Porque é a fase mais rica, senão necessariamente a melhor, da vida da gente. Quando jovens, estamos descobrindo o mundo, aprendendo coisas. Temos um olhar fresco, até virgem. Aos 23, 24 anos, as próprias exigências da vida forçam o amadurecimento. Ficar adulto, para a maioria, significa ir contra tudo aquilo em que acreditava. Não sou muito de ficar revendo meus filmes, mas ‘Garotos de Programa’ (My Own Private Idaho, de 1991), que revi há pouco, porque o filme integra uma exposição de James Franco no Museu de Arte Moderna de Nova York, me trouxe esse olhar mais jovem. Sei que o meu olhar é de um homem maduro, mas filtrado pelo deles (os personagens de River Phoenix e Keanu Reeves), sinto que há uma pureza que ainda não perdi totalmente.”

“Inquietos” baseia-se numa peça de Jason Lew e o curioso é que Dallas Bryce Howard se engajou no projeto sem pensar no papel para ela. É a história de uma garota que está morrendo de câncer e que se liga a garoto necrófilo. Desde que perdeu os pais num acidente, ele se comunica com um amigo imaginário, um piloto japonês camicase. O protagonista masculino frequenta funerais e é num deles que cruza com a garota terminal. Juventude e morte, mais uma vez, segundo Gus Van Sant.

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Ele conta que escolheu os atores por audições (auditions, testes). “Embora tenha filmado em Portland, no Oregon, onde moro, a seleção foi feita em Los Angeles. É incrível como vieram muitos jovens de famílias ligadas ao show biz, a neta de Elvis Presley, por exemplo. Mia, eu já conhecia. Henry (Hopper) foi uma indicação da minha diretora de elenco. Achei-o interessante, mas não foi fácil localizá-lo. Ele vivia, na época, na Alemanha, mais interessado numa carreira de pintor, mesmo que tivesse feito alguns experimentos como ator. A questão era saber se Henry e Mia teriam química. Quando contracenaram pela primeira vez, percebi que a liga vinha justamente das diferenças.”

A história, mesmo contemporânea, não parece se desenrolar numa época específica. “Isso já estava um pouco no roteiro, mas veio principalmente de Henry e Mia. Ambos usavam (moda) vintage e o look era tão especial que incorporamos aos personagens.” “Inquietos” é seu primeiro longa desde “Milk” e ele revela que o longa com Sean Penn marcou uma decisiva mudança em seu método. “Sean já vinha trabalhado com Terry (Terrence) Malick e me contou como ele filma o diálogo e, depois, filma a cena do mesmo ângulo, com a mesma disposição dos atores, na eventualidade de precisar de coberturas. Isso permite dissociar imagem e som e modular o ritmo. Filmei a maioria das cenas com e sem diálogo. Poderia fazer uma versão silenciosa de Inquietos.”

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O filme abre-se com uma canção dos Beatles. “Nunca havia usado música deles, mas a rodagem foi tão econômica que sobrou dinheiro. Pelo tom de “Inquietos”, era difícil arranjar alguma música. Dallas sugeriu… e ela própria bancou a aquisição.” Um filme sobre a morte, não depressivo e com muitos silêncios. “Nenhum outro filme meu valoriza tanto os olhares dos atores. Eles falam pelos olhos tanto quanto com palavras e gestos. Mia e Henry foram ótimos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.