As inovações implantadas este ano, referentes ao novo formato e a uma abordagem mais ampla da produção musical, garantiram resultados positivos à Oficina de Música de Curitiba, que encerra as suas atividades neste sábado (21). Consagrada como um dos principais festivais de música da América Latina, com 24 anos de história, a Oficina deste ano foi marcada por uma maior aproximação com a comunidade, pela oferta simultânea de cursos nas áreas de música erudita e música popular brasileira, e pela inserção, pela primeira vez na programação, do segmento de música eletrônica.
Durante 15 dias, o evento promovido pela Fundação Cultural de Curitiba, tendo como sede o Colégio Estadual, teve 1.506 inscrições de alunos, 83 professores e ofereceu 95 cursos. Os primeiros dez dias foram dedicados à música erudita e à MPB. Numa segunda etapa, foram ofertados os cursos de música eletrônica e os cursos de canto e instrumentos nas Ruas da Cidadania. Também houve 42 apresentações, com 40 concertos e duas palestras, com público total de 18.500 pessoas.
"A realização simultânea dos cursos de erudita e MPB foi muito positiva, porque promoveu uma integração até então inexistente na Oficina de Música. Tanto alunos como professores puderam transitar nas duas áreas, numa troca de experiências bastante produtiva", disse a diretora artística Janete Andrade. A orquestra sinfônica formada durante o festival, por exemplo, contou com músicos que faziam cursos na área de MPB. Músicos eruditos, especialmente os estrangeiros, habituados ao ambiente formal dos recitais e concertos, foram conferir a versatilidade dos shows de música brasileira.
Para o músico Glauco Solter, que dividiu a direção de MPB com Sérgio Albach, a Oficina adotou um jeito novo de acontecer e já é possível sentir os resultados. "Ela se aproximou da comunidade, que por sua vez ficou mais consciente da importância desse evento", afirmou. O diretor destacou o aspecto social da cultura enfatizado pela atual gestão da Fundação Cultural de Curitiba, que acabou se refletindo também na Oficina de Música. "A Oficina não é só para músicos. Quanto mais a comunidade aproveitar esse momento, mais perto estamos de atingir os objetivos", disse Solter.
Eliminando fronteiras
Na área erudita, a presença de professores estrangeiros, muitos deles concertistas de carreira internacional, garantiu uma visão diferenciada do ensino musical e uma nova experiência para os alunos. Entre eles estavam os russos Pjotr Meshvinski (violoncelo), Natalia Alenitsyna (violino) e Evgeny Izotov (piano), que formam o trio St Petersburg Virtuosen. O grupo, além de dar aulas com a ajuda de intérpretes, realizou o concerto de abertura da 24ª Oficina.
Na relação de professores também estava a americana Carol Wincenc, que veio para ensinar flauta transversal. Ela é representante da Julliard School, um dos principais conservatórios de música dos Estados Unidos. Segundo Janete Andrade, a presença de representantes de instituições como essa pode significar, para os alunos, a ponte para estudar ou se especializar no exterior. Da Inglaterra vieram Peter Apps (oboé) e Jonatahan Luxton (trompa), e da França, o clarinetista Etienne Lamaison. A Oficina de música erudita teve cursos de diversos instrumentos, além de práticas de conjuntos de câmara, orquestras, coro infantil, técnica vocal, método Suzuki e um núcleo dedicado à música e tecnologia, com orientação do italiano Giovanni Luisi.
Na área de MPB, as duas principais referências foram o compositor paranaense Arrigo Barnabé e o baterista americano Kenwood Dennard. A participação de um músico americano num festival de MPB significou, na opinião de Glauco Solter, a tentativa de entender a música como uma arte universal. "Não temos que ter preconceito. A experiência trazida pelo baterista, que já tocou com Miles Davis e Chick Corea, e atualmente é professor da Berklee School, em Boston, só enriquece a formação técnica do músico brasileiro", afirma.
Glauco Solter destacou a participação do compositor londrinense Arrigo Barnabé como um momento histórico para a Oficina. "Ele é um músico a ser reverenciado e valorizado por nós, curitibanos. Primeiro, porque é paranaense e, segundo, porque Arrigo tem um papel fundamental na música brasileira." Na área de MPB, músicos e professores de diversas regiões do Brasil ensinaram desde a música brasileira de raiz, como o fandango e os ritmos da Folia do Divino, até bandolim, cavaquinho, viola capiria, violão de sete cordas, acordeon, flauta, clarinete, saxofone, guitarra, entre outros instrumentos usados na variedade de ritmos nacionais.
Descoberta de talentos
Ao longo de sua história, a Oficina de Música foi responsável pela revelação de muitos jovens talentos da música no Brasil. Dos cursos realizados com os mestres renomados surgem muitas vezes a chance de alçar vôo para uma carreira musical promissora.
Ex-aluno das Oficinas de Música de Curitiba entre os anos de 1990 a 1996, o violinista Cármelo de los Santos retornou este ano como professor. Considerado uma das grandes revelações como intérprete da música erudita brasileira nos últimos anos, o violinista foi, há oito anos, para os Estados Unidos, onde fez mestrado (Manhattan School, em Nova York) e doutorado (Universidade da Georgia). "Participar da Oficina é sempre uma rica experiência para todos que fazem música", disse Cármelo, que atualmente integra o corpo docente da Universidade do Novo México.
A 24ª edição também teve alguns exemplos. Um deles foi o da flautista argentina Florência Jaurena, de 14 anos, elogiada pelos professores e maestros. "Conheci grandes nomes da música e pude aprender muito mais", disse Florência, que veio de Buenos Aires acompanhada pelos pais e o avó, seus maiores incentivadores. Os três são artistas do Teatro Colon de Buenos Aires.
A jovem flautista, assim como muitos outros instrumentistas da mesma faixa etária, formaram conjuntos de câmara, orquestras e bandas sinfônicas durante a Oficina. A prática de orquestra é uma das experiências mais importantes para os estudantes de música. Eles tiveram essa oportunidade apresentando-se em dois grandes concertos, sob a regência dos maestros Dario Sotelo, Osvaldo Ferreira e Emanuel Martinez. O concerto final prestou uma homenagem aos 250 anos do compositor Wolfgang Amadeus Mozart.
Segunda fase
Os cursos realizados nas Ruas da Cidadania atenderam alunos em horários alternativos e a preços acessíveis. Para muitos, foi a chance de aprender música com professores de alto nível e vislumbrar um novo rumo para a carreira. Para Guilherme Campos, responsável pelo curso de violão, a atuação nas regionais tornou a Oficina de Música mais democrática. "Foi uma iniciativa extremamente importante, porque viabilizou para a comunidade dos bairros o acesso a novos conhecimentos", disse.
"O músico brasileiro é imbatível quando une técnica e intuição. O problema é que estamos acostumados a fazer música só pela intuição. Daí a importância de mudar esse comportamento, oferecendo a todos uma formação técnica de qualidade. Esse é um dos nossos objetivos ao levar a Oficina de Música para toda a cidade", explicou Janete Andrade.
Acompanhar o que acontece na área musical, em todos os campos, também foi uma das propostas da 24ª Oficina. A idéia concretizou-se com a realização do módulo de música eletrônica. Com a presença dos principais nomes da música eletrônica no Brasil, como Cláudia Assef e Dudu Marote, a Oficina propiciou aos curitibanos desvendar um novo universo musical, apresentando temas como discotecagem, produção musical e rave. "A música eletrônica chegou como mais uma ferramenta para os músicos, inclusive eruditos e populares, exercerem a sua criatividade e experimentarem novas sensações", disse o produtor James Pedrozo, que coordenou este novo segmento da Oficina de Música de Curitiba.